quinta-feira, 28 de junho de 2007

Sobre a Opinião

"A opinião é tão livre quanto permitem as injunções da psicologia. A propaganda encadeia sua vítima, dando à imposição da conduta a aparência de escolha voluntária"

Trecho escrito em uma pequena folha de papel, amassada no fundo de uma mochila antiga, amarelada pelo tempo. Impossível definir se é excerto de algum livro cujo autor ignoro, se ouvi em alguma entrevista de algum expert ou eu mesmo o criei. Inútil tentar descobrir. Na dúvida, lá estão as aspas.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

O EXAME PSIQUIÁTRICO PRÉ-ADMISSIONAL

Tudo isso ocorreu nos idos de março ou abril de 2003, enquanto fazia os exames necessários para a admissão no banco. Mas comecemos pelo princípio.

Sempre quis ver um divã na minha vida. Cresci ouvindo falar em psiquiatras e psicólogos e psicanalistas (algum dia eu já soube a diferença de cada um) com divãs no consultório e bustos de Freud por todos os lados.

O endereço era JK 277 (foi alterado para preservar a imagem do psiquiatra) e eu passava do 270 ao 280 e nada. Até me dar conta de que 277 era do outro lado da rua. Torcia para que o doutor não estivesse na janela do consultório observando minhas vãs idas e vindas e fazendo 'tsc tsc' com a cabeça: "esse não passa".

Entrei. Primeiro andar, fui de escada mesmo. Adentrei a salinha. A secretária me olhava, eu olhava ao redor. Comecei a perscrutar a sala de espera, reparava em tudo: rachaduras, quadros, revistas, lâmpadas, moscas, o trânsito pela janela. Estaria eu ficando paranóico justo naquele instante?

"Tenho uma consulta às..." seguiram-se os procedimentos normais de qualquer consulta, sentei, e nesse mesmo instante começaram a chegar pessoas. Olhava-as. Todas pareciam um pouco loucas. Ou era eu o louco ali? Tentava imaginar o que levava essas pessoas a um psiquiatra. Primeiro, uma mulher, com seus 50 e tantos anos que tinha um jeito estranho nos gestos. Tomava Prozac. Ela e a filha. Tinha ido buscar receita pras duas. Depois entrou um rapaz um pouco gordinho. Puxou conversa com a secretária. Parecia normal, amigo do médico. Falava de família com ela, feriadão, viagens. Repentinamente ela pergunta seu nome para apresentá-lo ao médico. "Ferrari", responde.

Ferrari. Esse nome definitivamente não é normal. E eu esperava. Chegou um homem barbudo, com uma pochete na cintura e meio hesitante nos gestos. Mantinha uma certa distância de tudo. Em seguida entrou um maluco de capacete na cabeça. Bom, acho que não era maluco, era um motoboy. Mas como eu já estava no clima...

Enfim, o Ferrari foi embora e eu entrei. Apreensão. Emoção. Finalmente verei um divã! Eis que, senão quando, olhei para os lados e só faltou pegar o psiquiatra pelo colarinho e chacoalhá-lo contra a parede, gritando "Cadê o maldito divã!?" Não havia um divã. Não havia! Apenas duas singelas cadeiras em frente à mesa e, mais ao canto, duas cadeiras maiores e uma pequena.

Manti-me calmo, afinal, ele poderia pensar que eu era louco, e isso é algo que definitivamente não sou, embora seja meio obsessivo em algumas coisas. O que me fez feliz é que havia um busto de Freud. Pequeno, de plástico branco, quase irreconhecível, mas tinha um cavanhaque discreto e tomei ele como se fosse Freud e pronto. Podia ser qualquer pessoa de cavanhaque, podia ser, inclusive, uma falha no plástico e não um cavanhaque, mas pra mim era Freud. Também havia dois globos. Por que cargas d´água haveria de existir dois globos terrestres num consultório psiquiátrico? Um era pequeno, do tamanho de um punho. O outro era grande. Talvez pra mostrar a dualidade das pessoas que têm dupla personalidade, o ego e o id, ou o superego, ou sabe-se lá o quê. Mas havia. Talvez o psiquiatra fosse fã de geografia. Começou o diálogo:

-Quer dizer então que você vai trabalhar num banco, hein?

-É.

-PUTA QUE PARIU! Tirou a sorte grande!

Talvez o doutor fale palavrões de cara pra tentar detectar algum espanto, algo em nossa conduta que ele possa identificar como patológico. Porém manti-me frio e calmo. Quase xinguei também, mas me contive.

A conversa decorreu de maneira estranha. Ele perguntava coisas aleatórias, eu respondia monossilábico. Isso mostra o papel burocrático de exames pré-admissionais. Eu mal falei e fui considerado qualificado. Acho que só se eu o atacasse exigindo que trouxessem um divã ele teria me julgado inapto. Ninguém que responde a um psiquiatra monossilabicamente devia ser considerado são. Ou não. Mas fico feliz que descobri que sou. Afinal, ele poderia pensar que eu era lacônico devido a alguma psicose ou perturbação que me fazia pensar em coisas maléficas, como roubar um banco. Ou um divã. Enfim, sou normal.

Ao sair, já me sentia em casa e cumprimentei a todos, até ao homem da pochete que estava sentado no banco, tremendo. Não vi o divã, mas foi como se o tivesse visto.

Ou não.