domingo, 21 de novembro de 2010

Mochilão na Europa PARTE V - A noite escandinava

Quase um mês atrás eu tinha escrito a última parte desta saga pela Europa. Se continuar nesse ritmo, talvez perto do mundial de 2014 eu termine de contar o que aconteceram em duas semanas cheias de episódios insólitos, alguns meses atrás, durante o verão europeu.

Mas como eu dizia no último post: depois de um bom cochilo, fui pra noite sueca. A primeira coisa que eu queria ver era o sol da meia-noite, mas descobri que isso acontece só na parte setentrional do país, perto do Pólo Norte, onde é frio, muito frio, frio pacas, mesmo no verão. Paciência, já diria alguém.

No bar do barco-albergue-restaurante (como poderia chamá-lo, barguete? ou resalbar?) enquanto bebia uma loira sueca (muito boa, por sinal),  perguntei às funcionárias os melhores locais de Estocolmo.

- Existem duas concentrações - disseram - uma um pouco mais ao sul daqui, ainda em Södermalm, tem vários bares etc. Mas normalmente fecha cedo e depois o pessoal todo migra pra Norrmalm, onde estão as discotecas.

- Mas e são boas as discotecas? - perguntei, curioso.

- Absolutely!



Esses suecos são espertos, pensei. Era o que eu estava planejando fazer. Um barzinho e depois um tutz tutz. No metrô, pensava como era bom tirar férias e cantarolei alguma coisa do ABBA. Pra quem não sabe, ABBA era um grupo sueco lá dos anos 60-70 conhecido mundialmente e o mais importante representante da cultura sueca. Sucessos como Dancing Queen e Mamma Mia ecoam em cada esquina, souvenirs são vendidos em toda parte, camisetas, bonés e o que mais vier em mente. É o orgulho nacional. Se qualquer um dos ex-integrantes se candidatasse ao parlamento sueco, provavelmente seriam eleitos. Mais ou menos como o Tiririca, para os brasileiros.

Saindo do metrô vi uma movimentação enorme. Que magavilha, pensei. Foi então que descobri que estava acontecendo uma corrida noturna, e era quase impossível atravessar as ruas. Fiquei vagando entre os dois bares que eu conseguia acessar enquanto olhava perplexo a galera que corria. Ou estavam correndo ao redor do quarteirão, ou tinha muita gente mesmo. Fiquei por ali mais ou menos uns 40 minutos, e não parava de passar gente. Até que desisti, terminei a última loira e entrei no metrô em direção ao norte das ilhas.

Descendo - aliás, subindo, porque o metrô é subterrâneo - na estação de Östermalmstorg, uma cidade vivaz me esperava. Alguns bares e muitas discotecas. Comecei a fazer o reconhecimento das ruas, pra não correr o risco de me perder. Que mentira.

Girei um pouco com essa desculpa esfarrapada e vi que tinha uma discoteca cheia de gente querendo entrar, entupida. Parecia ser aquela da moda. Fui me infiltrando até que cheguei na frente do segurança. Só que o cara deixava entrar todo mundo, menos eu. "Skitstövel!", disse em sueco. E saí correndo. Não sei o que quer dizer, mas só pode ser um palavrão. Errei mais um pouco até encontrar um outro lugar, Golden Hits, com somente três pessoas na fila. O nome era suspeito, mas entrei. Era estranho. Deveras estranho. Mas fui andando, afinal, estou em um outro país, numa outra cultura, devo respeitar. 

À esquerda da entrada, uma sala com karaoke, cheia de suecos cantantes. "Porca puttana", murmurei em italiano, "até aqui essa praga". Várias mesas distribuídas em um grande espaço. Admirei o espetáculo por uns minutos, e não durou muito até que um resolveu cantar ABBA. Foi demais pra mim e segui adiante. Em frente, uma bifurcação: uma escada em caracol à esquerda, um bar à direita e, seguindo um pouco mais pelo corredor, uma mesa de cassino (?) e uma pista de dança. Com tantas opções, sem saber o que fazer, fui à direita, peguei uma loira e continuei admirando as outras. Por sorte não estava tocando ABBA em versão dance. Fiquei um pouco ali até que me veio a curiosidade de subir as escadas.

No Brasil, quando tem uma escada em qualquer discoteca, pode ter certeza que um segurança vai te barrar se você não tiver a pulseirinha que te autoriza a ser superior aos outros. Mas não vi ninguém barrando ninguém, e fui reto, como se fosse normal pra mim, ignorando todos ao redor. Depois dos três primeiros degraus ninguém me puxou pelo braço e sorri no pensamento. Até que, mais seguro, olhei pra trás, e todo mundo subia tranquilamente. Essa escada é pros mortais, pensei. Em algum ponto me barram.

No segundo andar, uma outra pista de danças, e outras mesas com jogos de azar. A galera era mais agitada, também porque a música o era. Peguei outra loira e analisava atentamente o local. Foi quando começou uma música que não me era estranha. Lembro de tê-la sentido quando era criança, mas não estava reconhecendo o ritmo. Eu sentia que o refrão estava por vir, e veio: "Chiquitita, you and I know..." ABBA! Não!

Encontrei outra escada e subi correndo, cuidando pra não derrubar nenhuma loira, principalmente a minha, na roupa. No terceiro andar, adivinhem: outra pista de dança, com mesas de cassino (porém menos) e dois fliperamas. Num terraço ao ar livre, um bar. Não lembro que música tocava, mas creio que não era ABBA. Fiquei algumas horas por ali, subindo e descendo os três andares até que decidi dar uma volta, pra conhecer outro local.

Mas, no momento em que eu ia sair, me barraram. De qualquer maneira sabia que me barrariam em algum momento, mas não entendi porra nenhuma. Na Suécia te barram na saída... Provavelmente, àquela altura da noite, eu tentava exigir explicações em russo e o cara respondia em sueco. Deve ter sido um belo diálogo. Alguma coisa ele provavelmente entendeu, porque me respondia com frases ininteligíveis. Ficamos algum tempo assim, até que me dei conta que eu deveria tentar falar inglês. "Uai? Uai?" disse em inglês, mas gesticulando em italiano. Ele entendeu e respondeu: "No beer". Eu insisti, "Ai pei for de bier, ai laique bier, de bier iss main". Pra tentar comovê-lo, peguei-a nos braços e disse "ai loviú". Com o mais belo olhar possível com aquela graduação alcoólica àquela hora da noite, mirei aquela loira maravilhosa em meus braços e a bebi inteira. "Posso sair agora?", perguntei já em português cambaleante. "Absolutely", disse o capanga. "Thenquiú sãr! Si iú!" respondi e pensava como eu poderia tentar seguir a carreira na dramaturgia, depois de tão bela encenação e consequente comoção da platéia.

Somente no dia seguinte fui entender que na Suécia não é permitido beber cerveja pelas ruas. Foi por isso que, durante a tarde, eu bebia minha loirinha na grama e todos olhavam, atônitos. E foi também por isso que o segurança não me deixou passar. Enquanto eu imaginava que viveria confinado em uma discoteca para todo o sempre, cercado de loiras e torturado pelas canções do ABBA, tudo que eu precisava era beber a cerveja pra poder sair. "Santa proibição, Batman!", já diria o menino prodígio.

Dali, girei mais um pouco pelo centro, até que decidi voltar ao resalbar (ou barguete, como você preferirem). No dia seguinte, uma ressaca do cão e enrolei o dia inteiro até pegar o trem noturno que me levaria de Estocolmo a Copenhagen, a capital da Dinamarca, onde beberia algumas outras loiras com algumas outras loiras falando outra língua incompreensível, e também aconteceriam algumas outras histórias que, não só aconteceriam, como aconteceram, e eu as contarei no próximo post, sem data definida para ser publicado.

DINAMARCA

"Mamma Mia!", já diria um famoso grupo sueco.


Continua no próximo post.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Poema da insônia I


Cego. Eu creio
e vivo a vida,
sigo a estrada
inacabada
do meio.

Receio.
A certeza caída,
a verdade quebrada,
dilacerada
ao meio.

Sou cego, mas leio
e sem saída
saí pela entrada,
caí na escada:
quebrei a costela do meio.

Foi feio.
Mas a despedida
foi adiada
porque, atrasada,
você não veio.

Devaneio:
você despida,
entra apressada,
embriagada,
teu seio.

Não creio,
mas foi a partida
da vida errada.
A frase acabada
no meio.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Na chuvosa noite de Pisa

a alma e o coração
(Charles Bukowski)


inexplicavelmente estamos sozinhos
para sempre sozinhos
e era pra ser
assim,
não era pra ser
de nenhum outro modo -
quando a luta contra a morte
começar
a última coisa que desejo ver
é
um círculo de faces humanas
pairando sobre mim -
prefiro meus velhos amigos,
e as paredes de mim mesmo,
que estejam somente eles ali.

tenho estado sozinho mas raramente
solitário.
satisfiz minha sede
no poço
de mim mesmo
aquele vinho era bom,
o melhor que já bebi,
e esta noite
sentado
olhando a escuridão
finalmente entendo
a escuridão e a
luz e tudo que está
entre os dois.

a paz da alma e do coração
chega
quando aceitamos como
é:
ter nascido
nesta
estranha vida
devemos aceitar
as inúteis apostas de nossos 
dias
e nos satisfazer com
o prazer de
deixar tudo
pra trás.

não chore por mim.
não sofra por mim.

leia
o que escrevi e
então
esqueça
tudo.

beba do poço
de você mesmo
e comece
de novo.
mind and heart 
(Charles Bukowski)

unacccountably we are alone
forever alone
and it was meant to be
that way,
it was never meant 
to be any other way-
and when the death struggle
begins
the last thing I wish to see
is
a ring of human faces
hovering over me-
better just my old friends,
the walls of my self,
let only them be there.

I have been alone but seldom
lonely.
I have satisfied my thirst
at the well
of my self
and that wine was good,
the best I ever had,
and tonight
sitting
staring into the dark
I now finally understand
the dark and the
light and everything
in between.

peace of my mind and heart
arrives
when we accept what
is:
having been
born into this
strange life
we must accept
the wasted gamble of our
days
and take some satisfaction in
the pleasure of
leaving it all
behind.

cry not for me.

grieve not for me.

read
what  I’ve written
then
forget it
all.

drink from the well
of your self
and begin
again.

______________________
Tradução minha.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A arte de ler II

Então, como eu dizia nos primeiros parágrafos do último post, fiz algumas compras na última feira do livro de Pisa, o famosíssimo Pisa Book Festival. E como de vez em quando gosto de fazer listas, comentários e críticas sobre livros e autores que mal conheço ou que nunca li, eis uma oportunidade imperdível! (só para complementar, ainda não terminei de ler nenhum dos livros do outro post. Mas estou chegando no final do primeiro).

To build a fire e Lost Face de Jack London: São dois contos do famoso escritor e, o melhor, para tradutores iniciantes como eu, é bilíngue. Original em inglês, tradução em italiano. Nunca li nada do Jack (London), mas segundo o meu primo doidão Eduardo é um autor dos bão. Então comprei, uai!

La felicità è un paio di stivali de Machado de Assis: Sim eu sei, não faz o menor sentido ler Machado de Assis em italiano se eu consigo ler em português (acho que eu ainda consigo). Mas a tradução foi feita por uma ex-professora de italiano e colega tradutora, que me deu muito apoio no mestrado, então não poderia deixar de comprar o livro e ler o famoso Machadão na língua dantesca.

Pensieri e scritti letterari (pensamentos e escritos literários) de Leonardo da Vinci: Uma das tartarugas ninjas, Leonardo da Vinci foi um grande tudo: pintor, escultor, arquiteto, inventor e, o que eu não sabia, também escritor. Vi esse livro e não pensei duas vezes. Um dia comentarei sobre ele.

L'anno della valanga (O ano da avalanche) de Giovanni Orelli: Muita gente não sabe, mas a Suíça é um país pequeno mas com quatro línguas oficiais, alemão, francês, romanche e italiano. Esse livro comprei por pura curiosidade. Cheguei na banquinha da sociedade de editores suíça e perguntei qual era o escritor suíço de língua italiana mais famoso. E essa foi a resposta. Veremos o que vai dar.

Un uomo al Castello (Um homem no Castelo) de Václav Havel: Dos escritores tchecos, conhecia apenas dois: Franz Kafka e Milan Kundera. O autor desse livro, além de escritor e dramaturgo, foi uma importante figura na antiga Tchecoslováquia no combate ao regime comunista, rumo à Revolução de Veludo em 89, quando então foi eleito presidente do país. Quando Rep. Tcheca e Eslováquia se separaram, ainda foi eleito duas vezes presidente tcheco. O livro é uma entrevista-relato com o autor e interessante para pessoas malucas como eu, que gostam de países estranhos e estão pensando em aprender tcheco ou eslovaco.

Il palazzo a mille piani (O prédio de mil andares) de Jan Weiss: Nunca ouvi falar do maluco, que também é tcheco. Mas na banquinha da editora me explicaram que era surrealista, e os surrealistas são meio doidão (pelo menos na pintura) e confesso que o título me chamou a atenção. E normalmente, se não erro, acerto meus palpites.

Four Quartets (Quatro quartetos) de T.S. Eliot: O grande poeta nascido nos EUA e naturalizado inglese em uma edição bilíngue inglês-italiano, comentada e analisada por uma especialista. Não li, mas recomendo. Isso porque já li outras poesias do cara, e é muito bom.

Undici (Onze) de Bernardo Carvalho: É um escritor brasileiro, que confesso que nunca ouvi falar. Traduzido em italiano, comprei somente porque custava 2 euros e precisava de uma sacolinha pra colocar os outros livros.

Um dia, quem sabe, retorno a esses livros pra um comentário crítico (!).

domingo, 24 de outubro de 2010

Mochilão na Europa PARTE IV - No calor da Suécia

 Vou tentar, vou tentar. Não prometo nada, mas tentarei continuar o relato de apenas memórias, as memórias que me restaram, que são minha única lembrança das cidades pelas quais passei. Estou cansado. Trabalhei na Feira do Livro de Pisa, e também fiz minhas compras. Oito livros. Que não sei quando serão lidos. Ou se o serão.

A verdade é que nesses dois anos na Europa mudei muito o jeito de ver o mundo. A perspectiva é outra. E isso todo mundo fala, mas não deixa de ser verdade. A minha visão de literatura também mudou muito. E como sou um aprendiz de tradutor - ou algo do gênero - percebo o quanto a literatura é frágil. Mas essa ladainha eu deixo para outro dia.

Continuando o post anterior: acordei cansado. Muito cansado. Mas estava de férias, então pra quê descansar? Saí às 7h do barco-albergue-lanchonete, com um mapa na mão e - graças ao avanço da minha calvície - quase nada na cabeça. E claro, minha defunta máquina fotográfica.

Peguei o metrô na estação de Slussen e segui em direção nordeste até Karlaplan, onde desci e caminhei pela avenida Narvavägen até encontrar uma das inúmeras pontes da cidade, atravessá-la e, enfim, atingir meu destino: Djurgården, uma ilha-parque muito bonita, onde as pessoas correm, pedalam, navegam, além de muitos outros verbos. Segundo meu mapa, dali eu poderia alcançar facilmente a torre de tv Kaknästornet, o edifício mais alto da cidade com 155 m de altura e uma visão de tirar o fôlego. Mas não foi assim tão fácil. O que afinal tirou o meu fôlego foi o tal "passeio" no parque, que não terminava mais. Porém o panorama valeu a pena.

Nesse momento comecei a sentir um pouco de fome. Só de pensar em voltar caminhando, perdi o ânimo. Vi um ônibus que chegava e me fingi de turista (fingi tão bem que parecia ser um mesmo), perguntei se meu passe de metrô valia também pro ônibus. Qual não foi a surpresa quando soube que sim. "Carajo", disse em espanhol. Se soubesse antes teria poupado um pouco minhas pernas. Desci do ônibus em Strandvägen e caminhava tranquilamente pela orla sueca, admirando as belezas naturais do país, quando me deparo com um barco. Bonito, à vela, ancorado. Sem nenhuma indicação de nome ou se era um passeio de barco pra turistas. Acesso aberto, pessoas entrando, fui atrás, esperando que alguém me parasse pra dizer o preço ou, na pior das hipóteses, ser obrigado a descascar batatas no porão (como já fizeram os Paralamas do Sucesso, quando entraram de gaiato num navio).

Andando mais e mais, vi, para minha surpresa, que era um restaurante. "Mamma mia!", pensei no mais puro italiano. E sentei-me em frente ao rio, estiquei as desgastadas pernas enquanto esperava a carne de porco com geléia e a cerveja. Não sei exatamente o que era a comida, mas tinha uma coisa doce que parecia ser geléia, e a semelhança foi suficiente para que eu a definisse como tal. "Isso é que é vida", já pensou alguma vez o bicho-preguiça. Após o merecido desjejum, comprei outra cerveja, deitei-me na grama em frente ao rio, sob a sombra de um'árvore, e tive belos sonhos.

Acordei com olhares sobre mim. As pessoas ao meu redor pareciam curiosas. Ou insanas. Sabe lá. Primeiro fui ver se nenhum pombo tinha cagado em mim. Depois pensei, são apenas malucos na folga do fim de semana. Se é que os sanatórios permitem aos malucos um passeio dominical. Enfim, deixei pra lá, terminei minha cerveja e dirigi-me ao outro barco, o albergue flutuante, onde um repouso merecido aconteceria em breve tempo, antes da balada na terra dos vikings e das loiras. 

Falando nisso, durante a viagem - e até depois - dediquei várias horas à meditação sobre o porque do fetiche das moças suecas com a palavra Absolutely, relatada no post anterior. Porém a resposta fui encontrar somente hoje, enquanto escrevo esse post. Foi um estalo, que me fez, do nada, entender tudo, como nos desenhos de Escher, o holandês doidão. A resposta é mais óbvia do que parece: a bebida mais conhecida da Suécia é uma vodka? Absolute(ly)!

Continua no próximo post.




quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Tiririca, o filio do Braziu

Melhor do que esse, não existe...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Eleições 2010 - pior do que tá, fica?

Ainda me sinto assim no Brasil

Eu sei, eu sei. Estou devendo a continuação da minha viagem. Ela virá. A verdade é que estou muito ocupado ultimamente e com muitas coisas na cabeça, e quando aparece uma folguinha prefiro dormir ao invés de escrever. Mas isso passará.

Ontem, por exemplo, foi cansativo. Apesar de não ter exercido meu direito de cidadão - não fui até Roma votar porque não havia me cadastrado - fiquei satisfeito com o resultado parcial da eleição pra presidente. Mesmo se a Dilma ganhar, creio que o segundo turno seja mais saudável pra democracia brasileira. A crença de que estava tudo garantido pro PT poderia alimentar um monstro ainda escondido, mas que volta e meia entrevíamos seu rabo saindo das trevas. E não era o rabo da mulher melancia.

Enquanto eu navegava, me atualizava a respeito de tudo que aconteceu na campanha eleitoral. Mesmo um pouco atrasado, deu pra ter uma idéia geral. Inclusive das lambanças do Tribunal Eleitoral. E da horda de corruptos que insiste em voltar. Em uma conversa muito construtiva com meu primo Eduardo via MSN, destacávamos as aberrações eleitorais em todo o país, como os futebolistas Danrlei, Bebeto e Romário, o boxeador Popó, Garotinho, ACM Neto, Roseana Sarney, Zoinho (quem?), Wagner Montes, Ratinho Jr e o mais votado pra deputado estadual da Paraíba, Toinho do Sopão.

Nessas trocas úteis de informação, lembrei-me de quando ainda era bancário na cidade de Ibiporã, onde foi eleito para vereador o catador de papel Beiçola. Ele ia retirar o seu salário no meu caixa, e em seguida bebia tudo nos bares da cidade. Mas com certeza, bebia com muito mais classe, com todo o respeito que um excelentíssimo senhor político merece. Uma beleza.

Mas voltando, gostei do desempenho da Marina Silva, é uma nova alternativa o crescimento do PV. Mesmo sendo ela cria do PT. Na verdade, a minha filosofia é: "Si hay gobierno, soy contra. Si no hay gobierno, tambien soy". No Brasil é um perigo apoiar governos. E como os partidos são uma bagunça, quando voto escolho o candidato analisando pessoa por pessoa, e não de acordo com uma pretensa e inexistente ideologia política.

Enfim. O Tiririca, se tudo der certo, será impugnado. E também cancelados os ficha-suja. Esperemos. "A esperança é a única que morre", já disse algum sábio filósofo. E que minha sogra não se chame Esperança.

Mas o que mais gostei do dia de ontem não tem nada a ver com eleições. Enquanto falava com minha irmãzinha que estava fazendo aniversário, perguntei como ela estava se sentindo agora, no alto de seus nove anos. Eis a resposta:

- Eu to me sentindo mais independente!


É uma figura, a mocinha.

***

Espero voltar em breve com a continuação das aventuras na Europa. Se tudo der certo e nada der errado. Até.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Cantoria























Tem a luz.

Do abajur no quarto escuro que conduz
pelos caminhos da noite, sinuosos
e me reduz
a um estranho, notívago em reino de luminosos
raios, de pessoas solares. Não faço jus
àquilo que tenho. Tenho medos vertiginosos.
Não faço jus.

Meus medos
vêm dos medos
que as pessoas têm.

Tem o vento.

A brisa que no início do outono avança
mansa
da janela semi-aberta, para o ar
deixar passar.
Esta usança
que minha vida salva, e da minha vida
faz criar
a luz, alva, a caminhar
perdida, no escuro do
luar.

Como a criança
entediada a falar
Ne ho abbastanza!

Tem o jazz.

Tem a música, tem o som, o embalo
resignado do rio em viagem
ao mar.
E se o embalo varia,
se o embalo muda
a rima,
o que fazer, ó Maria,
se o que era
não é mais,
e se o que se tem
a nada vale
(nem um vintém)?
Se o que se diz escorre
como água
dum chafariz?

O que fazer, ó Maria,
na calada da noite
- diga-me tu, musa mia, -
no cantar do rouxinol,
o que farias?

Ó Maria!
Agora me dizes
que destes assuntos
responder-nos ao menos
nem Deus saberia?

O que fazer, ó Maria,
se no meio da noite
nos vem o dia?

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Mochilão na Europa PARTE III - Öl? Absolutely!

Eu dormia tranquilo, quando ouvi um barulho. No início pensei que estivesse ainda sonhando. Parecia um motor. Depois me dei conta que o barco estaria se movendo. Acordei e percebi que era um ronco, mas muito alto. O mais alto ronco que havia sentido na minha vida.

Algumas horas antes o avião de Bruxelas aterrisou em Skavsta, uma cidade a mais ou menos 2h de ônibus de Estocolmo. A paisagem no trajeto não muda: árvores, plantações e estradas. É quando a civilização começa a aparecer. Desci na estação central, perto das 21h. Beleza, cheguei em Estocolmo. E agora?

A estação central é um caos, como já me alertou antes o meu guia "Europa de trem". A primeira coisa era achar um banheiro, mas as placas indicavam lugares inexistentes. Ou passagens secretas a mim desconhecidas. Estudei bem a situação e decidi que dava pra aguentar até chegar no barco. Nessas horas a gente aprende a observar os outros turistas. Segui de longe um casal que estava no mesmo ônibus, e logo eles acharam um local com o mapa da cidade e do metrô. Peguei o meu mapa e, enquanto fingia que lia, os segui e chegamos no metrô. "Magavilha!", pensei. Depois disso me separei deles. Poderiam chamar a polícia porque eu os seguia.

Lá fui eu pra máquina de passagens do metrô. Escolhi tudo como havia planejado, um ticket pra três dias. Mas na hora de pagar não aceitava o meu cartão. Tentei algumas outras vezes e nada. "Shit", disse em inglês. Foi então que vi um guichê de vendas. Comprei e analisei o mapa do metrô. Precisava descer em Slussen, na ilha de Södermalm, duas estações ao sul.

Quando cheguei ali, fui em direção ao rio. Na verdade não é exatamente um rio, mas um estuário em delta no qual o lago Mälaren se encontra com o mar Báltico. Estocolmo é formada por 14 ilhas e é rodeada de água. Mas àquela hora eu não podia ver a beleza da cidade. Era noite. Eu estava cansado. Eu queria ir no banheiro. Eu carregava duas mochilas pesadas. E eu estava aparentemente perdido.

Segui meus instintos e descia uma escada quando me apareceu uma loira. Sem saber o que dizer, perguntei se ela sabia onde ficava o barco. Não, não sabia. Segui adiante, e vi que o primeiro barco era algo como um restaurante-bar-pub-discoteca. À medida que eu me aproximava, o segurança me olhava mais perplexo. Perguntei onde ficava o meu barco, e ele disse que dois barcos adiante eu iria encontrá-lo. Meraviglia.

Entrei e já percebi que tudo era pequeno e estreito. "Tenho que cuidar pra não bater a..." foi o que pensei, antes de bater a cabeça. A primeira de várias vezes. Cheguei na recepção e a loira me disse "Hey!". Estranho. Já nos conhecemos? Toda essa familiaridade... respondi "Hey!". (Somente mais tarde fui descobrir que o correto é Hej e não Hey, e que isso significa Oi, Olá, e não uma hipotética intimidade que os mais ingênuos poderiam pensar).

A cada pergunta que eu fazia, a moça respondia "Absolutely!", com um largo sorriso. Ela gosta dessa palavra, pensei. Nos dias seguintes percebi que todas as suecas são assim simpáticas e sorridentes, e tem um fetiche pela palavra "absolutely". Fui pro meu compartimento, tomando todo o cuidado pra não bater a cabeça enquanto subia as escadas, no pequeno barco chamado Gustaf af Klint. Que até agora não faço a menor idéia se tem a ver com o pintor austríaco Gustav Klimt. Será?

"Absolutely!"

Era um barco transformado em albergue, e cada compartimento era cheio de beliches. Quando entrei tinha um grupo de holandeses saindo pra balada. Preferi não falar sobre futebol com eles. Malditos. O quarto não possuía outra ventilação a não ser a porta. Era quente pacas.

Desci ao convés onde fica um bar e se pode admirar o incrível cenário noturno iluminado. Pedi uma öl pela primeira vez. Öl em sueco é cerveja. Boa. Na dúvida sobre o que comer, pedi uma pizza. Sair da Itália pra comer pizza na Suécia. Acho que tô ficando doido. "Absolutely!"

O mais estranho é o balanço do barco pra lá e pra cá. Se eu não passar mal, já valeu. Relaxei um pouco, enquanto a suave brisa massageava minha careca. "A vida é boa", pensei. "Devo massagear minha careca com mais fequência". E fui dormir.

E no meio da madrugada, ouvi o ronco, que em um primeiro momento pensei que fosse o barco partindo, em uma viagem maluca ao redor do mundo. Ou me sequestrando. Mas percebi que era um dos holandeses. Depois da Copa do Mundo começo a não gostar muito desse povo. Das 4 às 7 não dormi quase nada. Mas apesar de cansativo, o dia seguinte mostrar-se-ia muito interessante.

Continua no próximo post. Absolutely!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Mochilão na Europa PARTE II - Les pays de la bière

Quando vi o menu com mais de 40 tipos de cerveja, fiquei abismado. Eu não estava preparado pra isso. Havia planejado a viagem em alguns pontos. Primeiro, Bruxelas, que seria passagem obrigatória pra chegar em Estocolmo. Em seguida, Copenhagen, e depois não planejei mais nada. Nas últimas semanas a idéia era ver todos os detalhes, pontos turísticos a visitar, essas coisas. Mas fui surpreendido por um freelancer pra um jornal de Londrina e por um volume sobreumano de trabalho no hotel. O que quer dizer que fui meio às cegas.

Cheguei em Charleroi, aeroporto ao sul de Bruxelas. Dali, um ônibus me levaria até o centro.Pra comprar o ticket do ônibus a única opção era uma máquina automática. Toda a Europa é feita de máquinas automáticas. Você pode comprar desde cigarros, comida, bebida, jornais, tirar fotos, até passagens e camisinha. O problema é que quando você adquire uma passagem pro dia errado, não tem opção: não temos com quem reclamar, e a solução é uma só, comprar outra passagem com o cuidado redobrado, pro dia certo. "Merde", eu disse em francês, quando descobri que tinha comprado ida e volta pro mesmo dia.

Depois do episódio, deixei a mochila grande no depósito e com a menor me dirigi à capital das loiras. Cervejas, sejamos bem claros. E da Bélgica também.

Grand Place
Cheguei na estação central. Vi algumas placas que mereceriam uma piada neste relato, mas sem as fotos que tirei, é impossível fazê-la. Tudo bem. Saindo da estação, uma garoa chata mas leve, fiz o primeiro giro a pé pela cidade. Prédios imponentes, igrejas com altas torres. A Bélgica é uma monarquia, o que explica um pouco tudo. Depois, no horário marcado, fui encontrar o casal que iria me hospedar. Andamos por outra parte do centro, tirei foto da fonte mais conhecida do país e seguimos diretamente a um pub muito famoso, mas que obviamente não lembro o nome, porque à epoca eu ainda supria as lacunas da memória com fotos dos locais.




Manneken Pis (O piá que mija),
a mais famosa fonte de Bruxelas
E sentando-me à mesa, tive a primeira das várias lições sobre a arte da cervejaria que aprendi durante minha pitoresca viagem. O garçom traz o menu e pergunta, pra beber? "Bier", respondi em holandês. Ele deu uma risada como se dissesse, sim mas qual, cara pálida. Foi então que vi a coisa mais impressionante que uma pessoa poderia ver em um menu de um bar: mais de quarenta tipos de cerveja, todas locais. Eu não sabia por onde começar. Não fazia a menor idéia de nada, me senti um analfabeto numa linguagem que eu julgava dominar. Primeiro, a descrição das cervejas estava em francês e holandês, as principais línguas da Bélgica. Ok, de certa forma eu era analfabeto. Talvez tivesse também em inglês, mas não me lembro.

No final, não sabendo se pedia um uísque no lugar ou saía correndo, disse pro garçom, me fala um número. 32, respondeu em francês. (Neste momento pedi ajuda aos comensais para a tradução) Contei as cervejas e pedi aquela. Cada um do casal também pediu a sua, eles obviamente já iniciados na arte de escolher uma cerveja belga. Em pouco tempo, tínhamos as três cervejas na mesa. Uma estava inclinada como um champanhe, as outras duas em pé. Cada marca de cerveja tinha uma  garrafa diferente, copo personalizado com nome e formato específico e era servida de uma certa maneira, tudo descrito no rótulo. Olhei boquiaberto todo o ritual. Finalmente, brindamos e bebemos. Era muito boa mesmo. Depois pedi uma outra, também boa. Fomos embora e, no caminho, compramos mais umas 5 pra beber em casa. Eu imaginava quantos copos cada bar não teria e a organização entre copos e cervejas. Perdi alguns bons minutos divagando sobre o assunto.

Chegando em casa, o cara me mostrou uma de suas aquisições: The Bible of Belgian Beers (A bíblia das cervejas belgas) ou algo assim, escrito por um expert que se chama Michael Jackson (!), um best-seller no país. Era uma edição bilíngue, em francês e inglês, contendo detalhes de provavelmente quase todas as cervejas que são produzidas no país, incluindo o tipo de copo que se usa. Lendo a tal Bíblia, descobrimos o formato do copo que se usa com aquelas que compramos e ele foi, com a maior calma, procurar na sua coleção de copos aqueles mais parecidos! Esse é profissional, pensei. E eu que pensava que ter 3 tamanhos diferentes de caneca na estante já tava bom. O cara tinha mais de vinte copos ali, dos mais variados formatos. Achou 3 parecidos e fomos degustar e conversar sobre várias coisas, quase todas elas se referiam à cerveja.

Dormi feliz.

No dia seguinte me despedi dos meus anfitriões, aluguei uma bicicleta pública* e fiz um passeio maior pela cidade, tirei várias fotos (é como uma punhalada, cada volta que me lembro) antes de voltar ao aeroporto, recuperar minha mochila e seguir até a capital das loiras e da Escandinávia. E também da Suécia.

Em Estocolmo eu dormiria em um barco. E as loiras belgas, no seu mais formoso teor alcoólico, me diziam que a viagem estava muito boa, apesar de apenas ter começado.

* Nas grandes cidades européias existem bicicletas públicas disponíveis. Na Bélgica você paga uma quantia baixa (menos de 10 euros) por um dia, com cartão. Se você não devolver a bicicleta, eles te debitam 150 euros. Já em Copenhagen basta uma moeda de 20 coroas pra poder pegar uma (menos de 5 euros). E o mais interessante é que ninguém rouba elas.

Continua no próximo post.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Mochilão na Europa PARTE I - Perdido no meio do nada

Algumas fotografias dos Alpes, foram suas últimas visões. Depois, fechou os olhos para sempre e ninguém mais a viu. Tinha sido uma ótima companhia nessa viagem, embora sempre calada. Possuía um olhar curioso e uma memória muito boa, capaz de recordar quase imediatamente os principais pontos turísticos que visitamos juntos. Nos separamos no caminho para a Suíça. Os últimos dias tinham sido muito cansativos, e sinto-me um pouco culpado por tudo o que aconteceu.

Lembro-me que no último dia em Praga saí à noite sem ela, e voltei muito tarde, bêbado, nem a olhei direito antes de me jogar na cama. No dia seguinte precisávamos ir cedo pegar o trem pra Munique, de onde algumas horas mais tarde, entraríamos em outro para Salzburg na Áustria e depois de um dia inteiro viajando de ressaca, poderíamos enfim descansar em um trem noturno com camas, que no final nos deixaria em Zurique, a apenas uma hora de Berna, a capital da Suíça, último destino antes de voltar à Itália.

Tudo parecia simples e tranquilo, como foi toda a viagem até ali. À meia-noite e quinze o trem deveria parar em Salzburg. Nesse horário ele parou, e descemos. Fui diretamente procurar o trem noturno, mas não existia. Não existia porque ali não era Salzburg, era Freilassing, uma cidadezinha no meio do nada. Quando me dei conta disso, o trem já se movia e a única coisa que pude dizer foi "Scheisse!", que em alemão quer dizer merda. Ela permaneceu imóvel. No cartaz com o horário dizia que em meia-hora partiria outro trem e com muita sorte, se o trem em Salzburg atrasasse, poderíamos ainda fazer a conexão. Esperamos.

Passaram-se 40 minutos e nada. Um pouco nervoso, fui confirmar no cartaz se eu tinha visto o horário correto, foi então que descobri que este trem passava somente aos sábados. "Merda!" gritei com o meu já deteriorado português. O silêncio dela, nesse momento pareceu-me de desdenho, reprovação pelos últimos acontecimentos, mas preferi não comentar, não resolveria nada naquele momento delicado.

Depois de 14 dias de tranquilidade na viagem, foi a primeira vez que me senti sem saber o que fazer, perdido no meio da Europa. O próximo trem pra Salzburg seria depois das 5 da manhã. Dormir na estação era uma opção, mas destruído como eu estava, precisava de uma cama confortável. Fomos então ao redor da estação à procura de um hotel. Depois de quase uma hora, encontrei dois, um ao lado do outro, mas estavam completos. Ou pelo menos foi o que me disseram. Desisto, vamos pra estação e dormimos lá, pensei.

Chegando ali, com minhas duas mochilas que pareciam querer me esmagar sob seus pesos, vejo de relance um táxi. Era só o que faltava, alucinações, pensei. Mas não, era um táxi, e este táxi nos levou à Salzburg. Embora fosse muito tarde para pegar o nosso trem noturno, Salzburg é uma estação grande e dali seria mais fácil - como realmente foi - achar um trem que fosse em direção a Zurique. Às 4h30 sairia um para Innsbruck, ainda na Áustria, que meu mapa indicava ser a alternativa mais lógica para alcançar a famosa cidade suíça.

Sem poder dormir muito, chegamos a Innsbruck pelas 8h. Dali foi fácil: até Zurique teríamos que mudar de trem somente três vezes e, com muita sorte e nenhum atraso, a estação de Zurique seria pisada por meus pés às 13h23, de onde eu pegaria o primeiro trem pra Berna, onde efetivamente cheguei, pelas 16h. Sem dormir quase nada em dois dias.

Foi nesse caminho de pequenos cochilos, que mais me cansavam que repousavam, trocas de trens e fotos dos Alpes que ela teve sua última visão. Um pico altíssimo, circundado por um grande lago. Muito bonito. Nesse vai e vem, dois dias sem dormir, eu a perdi. Ou a roubaram. E todas as fotos que tirei com ela de uma hora pra outra também se escafederam. "Mierda!" disse em espanhol, quando descobri o acontecido, já chegando em Berna. Mas eu estava muito cansado pra me preocupar com aquilo. Queria somente dormir.

Enquanto eu caía no sono, lembrei da nossa jornada, com ela, minha nova câmera fotográfica, que eu havia comprado exclusivamente para a viagem, e que agora me havia abandonado pra sempre. Dormindo, revivi os nossos melhores momentos, 14 dias antes, quando pegamos o avião em Pisa e aterrissamos na Bélgica, a terra das cervejas.

Continua no próximo post.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Mochilão na Europa - preâmbulo

Disse uma vez o escritor americano Charles Bukowski: "Minha alma embriagada de cerveja é mais triste que todas as árvores de natal mortas do mundo". Eu porém discordo. A minha alma embriagada de cerveja é feliz, ah como é feliz.

O velho Buk tomando uma


Mas antes que alguém se assuste, essa frase foi escolhida porque representa um bom preâmbulo, e quando citamos outros escritores os nossos textos sempre ficam com uma boa aparência. Mas falemos do que é para ser falado: sobrevivi. Sim, foi uma bela e cansativa viagem, mas com muitos ensinamentos, que levarei para o resto da vida. Por exemplo, aprendi que a palavra “tack” quer dizer Obrigado em sueco e dinamarquês. Da mesma forma, “Öl” e “Øl” significam Cerveja, respectivamente nas mesmas línguas. Por isso, depois de comprar uma Öl, diga tack.

O que eu queria com esta viagem?, perguntaria algum fantasma distraído. Respondo: relaxar, descansar do estresse, conhecer novos países, observar novas culturas, saborear novas gostosuras, enfim, exercitar os cinco sentidos em outras paragens. Mas aos poucos vocês verão, de acordo com o desenvolvimento do meu relato, a razão da cerveja merecer estar nas primeiras linhas.

É inegável que quanto mais o final da viagem se aproximava, maior era a vontade de largar tudo pra viver em Praga ou Estocolmo, mas algumas coisas me fizeram pensar melhor e voltar a Pisa pra terminar o meu master em tradução:

1- o inverno nessas cidades com temperaturas ao redor dos 20 negativos;

2- eu ia demorar muito tempo pra aprender tcheco ou sueco, e até lá viveria desempregado, que no inverno significaria morrer de fome e de frio.

3- mesmo a escravidão pode ter seu lado bom, se exercida em temperaturas relativamente agradáveis. (N.do autor: escravidão, nesse contexto, significa estágio obrigatório não remunerado sem tempo pra ter um segundo emprego pra ganhar dinheiro).

No final, já conformado em voltar à vila Pisa, aconteceu o inesperado, que provavelmente não será perdoado por alguns fantasmas: perdi a máquina fotográfica (ou me roubaram), com as quase 500 fotos de todos os lugares que passei nesses 18 dias de viagem. As cervejas de Bruxelas, as ilhas de Estocolmo, as loiras de Copenhagen, as torres de Maastricht, as peladas em Berlim, o Castelo e as aventuras em Praga. Tudo desaparecido, cancelado, anulado, apagado, varrido da face da terra.

Estocolmo, vista do alto


Mas tudo bem, a vida segue seu rumo, e esse relato, esperemos, sirva alguma coisa para o bem estar da humanidade. Com alguma (ou muita) sorte, encontrarei minha máquina nos achados e perdidos da companhia ferroviária.

No meio tempo, ilustrarei com fotos do google essa coisa doida que é viajar de trem pela europa, com uma mochila nas costas e nada na cabeça. A não ser o boné pra não queimar a careca.

Até a próxima,

Zaratustra

domingo, 29 de agosto de 2010

O eterno retorno

Sobrevivi, pois, a tudo. De volta à Italia. Em poucas horas, de volta à Pisa.

Em breve, as histórias.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Rapidinha 3

Eu sou Franz Kafka.

Rapidinha 2

Praga. Nada mais a dizer.

domingo, 15 de agosto de 2010

Rapidinha

Já sobrevivi Bruxelas e suas cervejas e Estocolmo e suas loiras.

Hoje sigo para Copenhagen. Fotos infelizmente, só no final.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Esboços

Na página 107, o personagem relatava: "sinto que atingi o ápice, a sabedoria, a compreensão de tudo. Compreendo o mundo, compreendo o que as pessoas pensam, até mesmo as razões pessoais para suas brigas e guerras. Entendo as razões, como entendo a motivação dos assassinatos, como entendo o papel da burocracia na pós-modernidade e a exasperação dos politicos e seus adversários. A ânsia da imprensa e suas segundas intenções, as corrupções e fraudes, mas também compreendo o voluntariado, a existência do amor e da esperança, da honestidade. O carinho e a ajuda de pessoas comprometidas com os outros, entendo tudo e todos, os bons e os maus, o que os motiva e o que os leva a serem o que são e a agirem como agem. Entendo o mundo, sim, estou ali em cima, vejo das alturas a humanidade explicada, mas eles não me compreendem e não compreendem uns aos outros. Ter a consciência de tudo, inclusive a consciência de saber que nunca serei compreendido, ao contrário do que um dia imaginara, me causa apatia, me deixa inerte, sentado no topo do mundo, desmotivado. Fico ali, parado, vendo o mundo passar, sabendo que nada posso fazer, e mesmo que tente fazer alguma coisa, são os outros que não conseguem se compreender, e por isso também não me compreenderão. Estou condenado à sabedoria e à solidão, pois a sabedoria possui uma característica intrínseca que é a de isolar o seu possuidor. Come se fosse uma maldição, por tê-la alcançada."

Na página 108 não existia mais personagem.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Ah, o verão!


Aqui na Europa agora é verão. Enquanto falo com a família que por telefone se lamenta do frio, estou no meu quarto com o ventilador ligado, a janela escancarada e bebendo litros e litros de água gelada. Momentos esses alternados com pequenas viagens à praia. Ah, sim, e também o trabalho.

Mas não vim aqui falar sobre isso, ou somente isso. A verdade é que deixei meio de lado tudo que estou fazendo ou planejando fazer na vida pra me concentrar no planejamento das minhas férias de verão.

Serão quinze dias mochilando de trem pela Europa (o verbo mochilar é muito interessante, diga-se de passagem. E é inexistente nos dicionários). O roteiro é indefinido, porque comprei o Interrail, uma passagem única que me permite andar por todos os países que eu quiser ou conseguir em quinze dias. Pra quem se interessar, existe também o Eurail, para quem não é residente na Europa.

A única coisa que sei é onde começo a viagem e alguns pontos de referência, mas todos sujeitos à mudança, de acordo com o meu humor e de outros fatores que estão acima da minha compreensão. A verdade é que uma viagem dessas há anos, muitos anos eu queria fazer, mas só agora consegui me organizar.

Começo pegando um avião de Pisa até Bruxelas na Bélgica, depois outro até Estocolmo na Suécia, de onde inicia a contagem dos 15 dias de trem. Uma vez ali, vejo o que faço da vida. Mas a idéia nessas duas semanas é conhecer também, no mínimo, Copenhague na Dinamarca e Berlim na Alemanha. Se der tempo, Praga na Rep. Tcheca, Budapeste na Hungria, as montanhas Tatra (divisa entre Eslováquia e Polônia) e um ponto perdido dos Alpes suíços. Sem contar as paradas no meio do caminho, os contratempos, as mudanças de plano de última hora, os zilhões de fotos, alguns souvenirs, sol, chuva e cervejas várias.

Queria muito poder atualizar o blog à medida que passasse pelas cidades, mas os 2 kg do notebook podem ser importantes pra dar alguma folga pras minhas costas, se deixados em casa. Tentarei manter um diário de bordo escrito (sim, ainda é possível escrever com papel e caneta!) com minhas percepções da bagunça de culturas e línguas em que vou mergulhar e, se for aproveitável, publicarei aos poucos no meu retorno. Com fotos, óbvio.



E talvez um pouco de ficção no meio, pra ficar mais legal.

Então não se assustem se eu demorar pra retornar a essas paragens. É por um nobre motivo.

A gente se fala!

G.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O pingo

Era um pingo que caiu no meu olho enquanto eu caminhava apressado, às 7h38 da manhã, logo após uma inteira madrugada de trabalho, fria e chuvosa, que parecia não mais terminar. 

Chuva esta que caía desde às 21h do dia anterior, alguns minutos antes de eu me acordar a contragosto de um cochilo providencial. Meus olhos queriam manter-se fechados. Água gelada no rosto pro choque térmico inicial de qualquer dia de trabalho. No meu caso, noite. Um copo (d'água, não d'uísque). O trabalho, a chuva. 

A madrugada passou lenta. A chuva, a mesma ainda, rumorejava pelas frestas das janelas. O relógio, estupefato, paralisou-se. Da minha mesa, através do vidro eu olhava o rio sendo molhado pelo pé da água, que aos poucos diminuía.

O rio, passou. O trabalho, enfim, está dito e feito. Fui-me embora.

A chuva, a esta altura, parecia finalmente ter cessado. Foi quando olhei para o céu, e o pingo caiu no meu olho. Pisquei, mas meus olhos já se piscavam do sono.

O pingo foi apenas a gota d'água.

___________________________
Texto ignorado em um concurso de contos curtos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Há coisas, há
Muitas coisas
E me pergunto
Onde foi que eu errei
Nesta vida

As belas coisas da
Vida
Parecem não funcionar

A vida é dourada
Mas o ouro não é para todas as pessoas
Na verdade
Ouro não é para pessoas

Ouro é um sonho
Que duvida de si mesmo
E de sua própria existência

Raridade seria uma qualidade
Se fosse uma escolha
A raridade me fez perder o controle

Exceções para um
Não são exceções para todos
O que você espera,
Normalmente,
Não é o que você terá

O que você pensa sobre
Tudo
Não é como as coisas realmente são

Vergonha e arrependimento
Devem ser algum
Tipo de dor inconsciente

Que vêm e vão
Quando bem querem

Eu quero uma realidade
Apesar da minha ansiedade
Nonsense
Eu quero uma criação
Separada dos meus medos
De ser
Novo

As paredes se fecham atrás
De você

O lugar não é um
Palácio

Você pensa que vai embora.
Você pensa que vive.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Frase

E a verdade é que nunca conheceremos a verdade.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Last in translation - 2

HERMANN O IRASCíVEL - A história do Grande Choro
Saki (Tradução minha)

Foi na segunda década do Séc. XX, depois que a Grande Peste devastara a Inglaterra, que Hermann o Irascível, também apelidado de “o Sábio”, sentou-se no trono britânico. A doença mortal varrera toda a família real até a terceira e quarta gerações e foi assim que Hermann XIV de Saxe-Drachsen-Wachtelstein, o trigésimo na linha de sucessão, viu-se um dia soberano dos domínios britânicos dentro e além-mar. Era uma dessas coisas inesperadas que acontecem na política, e ele surpreendeu com grande eficiência. Em muitos aspectos, era o monarca mais progressista a sentar em um trono importante; quando as pessoas julgavam entender o que ele pensava, ainda havia muito a compreender. Até os ministros, progressistas que eram por tradição, achavam difícil manter o passo com suas sugestões legislativas.

“O fato é que,” admitiu o primeiro-ministro, “estamos sendo constrangidos por essas criaturas do Voto para as mulheres; elas perturbam nossos encontros pelo país e estão tentando transformar Downing Street em um tipo de piquenique político.”

“Temos que lidar com elas” disse Hermann.

“Lidar,” disse o primeiro-ministro; “exato, somente isso. Mas como?”

“Redigirei um projeto” disse o Rei, sentando-se à máquina de escrever, “decretando que as mulheres poderão votar em todas as eleições futuras. Poderão, veja bem. Ou, sendo mais explícito, deverão. Como antes, o voto continua facultativo aos eleitores homens. Mas todas as mulheres entre vinte e um e setenta anos serão obrigadas a votar, não somente para as eleições parlamentares, conselhos contadinos, quadros distritais, conselhos paroquiais e cargos municipais, mas também para juízes, bedéis, sacristães, curadores de museus, autoridades sanitárias, intérpretes dos tribunais de polícia, instrutores de natação, empreiteiros, regentes de corais, gerentes de mercados, professores de arte, coroinhas e outros funcionários locais cujos nomes adicionarei à medida que me vierem em mente. Todas essas funções tornar-se-ão eletivas e o não comparecimento às urnas em qualquer eleição na sua respectiva área residencial, implicará à eleitora uma multa de 10 libras. Abstenções não justificadas com um apropriado atestado médico não serão aceitas como desculpa. Passe este projeto pelas duas casas do Parlamento e traga-me para assinatura depois de amanhã.”

Desde o início o voto obrigatório feminino suscitou pouco ou nenhum entusiasmo, mesmo nos círculos que exigiam com mais fervor esse direito. A maioria das mulheres do país era indiferente ou hostil à agitação pelo voto, e as mais fanáticas sufragistas começaram a questionar-se por que achavam tão atraente a perspectiva de colocar cédulas dentro de uma caixa. Nos distritos rurais a tarefa de executar os preparativos do novo ato foi muito cansativa. Nas vilas e nas cidades tornou-se um pesadelo. As eleições pareciam não acabar. Lavadeiras e costureiras saíam correndo do trabalho para votar, frequentemente em um candidato do qual nunca ouviram falar antes, escolhido por puro acaso. Balconistas e garçonetes acordavam muito cedo pra votar antes de entrarem em seus turnos. As damas da sociedade tiveram seus compromissos cancelados e desordenados pela necessidade contínua de comparecer aos colégios eleitorais, e as festas de fim-de-semana, como as férias de verão, transformaram-se gradualmente em um luxo masculino. Quanto a Cairo e à Riviera, eram acessíveis somente aos inválidos ou às pessoas de grandíssima riqueza, porque o acúmulo de multas de dez libras durante uma viagem prolongada era uma contingência à qual até mesmo os ricos dificilmente se arriscariam.

Não era de se maravilhar que a agitação feminina contra o voto tornara-se um movimento respeitável. As participantes da liga Não ao voto para as mulheres chegavam quase a um milhão; as cores do movimento, verde-limão e vermelho-holandês antigo, eram ostentadas por toda parte e o grito de guerra “Nós não queremos votar” caiu nas graças do povo. Como o governo não mostrou-se impressionado com a persuasão pacífica, métodos mais violentos tornaram-se moda. Encontros eram perturbados, ministros atacados, policiais mordidos e a ração popular, rejeitada. E às vésperas do aniversário de Trafalgar, as mulheres se colocaram em fila por toda a extensão da coluna de Nelson, fazendo com que as costumeiras decorações florais fossem abandonas. Mas o governo estava obstinadamente convicto de que as mulheres deveriam votar.

Em seguida, como último recurso, alguma mulher soube usar de um expediente que estranhamente não havia sido pensado antes. O Grande Choro foi organizado. Turnos de mulheres, dez mil por vez, choravam continuamente nos espaços públicos da metrópole. Choravam nas estações ferroviárias, metrôs e ônibus, na National Gallery, nas lojas The Army and Navy, no parque St. James, em concertos, no Prince’s e na Burlington Arcade. O sucesso até então ininterrupto da brilhante comédia farsesca Henry’s Rabbit foi ameaçado pela presença lúgubre de mulheres chorando na primeira fila, nos balcões e nas galerias, e um dos casos mais notórios de divórcio julgado nos últimos anos foi ofuscado pelo comportamento lacrimoso de uma parte da audiência.

“O que faremos?” perguntou o primeiro ministro, cuja cozinheira chorara sobre todas as louças do café da manhã e a babá, em pranto infeliz e silencioso, saiu a passear com as crianças no parque.

“Tudo tem seu tempo” disse o Rei, “e é tempo de ceder. Passe esta medida pelas duas Casas destituindo o direito ao voto das mulheres e traga-a para mim depois de amanhã, para consentimento real.”

Quando o ministro retirou-se, Hermann o Irascível, também apelidado de “o Sábio”, gargalhou intensamente.

“Há outras maneiras de matar um gato além de empanturrá-lo com creme,” sentenciou, “mas não estou tão certo se não é esta a melhor maneira”.

 Hector Hugh Munro, conhecido como Saki (18/12/1870 a 13/11/1916), nascido na antiga Birmânia à época ainda parte do império britânico, atual Mianmar

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Diário de um Saramago

Há alguns dias morreu Saramago. Nesses 7 anos de blog (caramba, tudo isso...) escrevi algumas vezes sobre o português prêmio Nobel. A última vez foi quando descobri o seu blog, cujo link está ali do lado, e nos últimos dias antes do falecimento vinha sendo atualizado pela Fundação José Saramago com citações e frases suas, talvez um pequeno sinal do que fatalmente ocorreria.

Não posso negar que Saramago, como escritor, é um dos meus preferidos. Se não me engano, está entre os autores com mais livros na minha pequena biblioteca, com sete ou oito exemplares, provavelmente junto a Carlos Nejar, Charles Bukowski e a família Verissimo.

Mas aqui na minha pequena biblioteca italiana não tenho nenhum livro seu. E fiquei relembrando de seus livros. O primeiro que li chamava-se O Homem duplicado. E não contarei a história, a única coisa que posso dizer é que não consegui parar de ler até terminar o livro. O estilo do Saramago, cuja pontuação se restringe a ponto final e vírgula, é já um grande desafio; não perder-se nos diálogos rápidos e nas divagações do narrador em parágrafos longos, é outro, mas com o ponto justo de ironia e sarcasmo, aceitamos o desafio com prazer.

Ano passado havia descoberto na internet um vídeo baseado no único conto infantil do Zé, narrado por ele mesmo, e que publico ali no final do post. Quando soube da morte, tentei achar alguma citação sua nos meus arquivos ou na internet, um modo de homenageá-lo. Mas não tinha nada, o hábito de recolher citações de livros, para mim, é uma coisa recente. E percebi que não existe melhor modo de homenagear um autor que lendo a sua obra.

Eis aqui o vídeo:

domingo, 20 de junho de 2010

Last in translation - 1

Não sei exatamente qual a minha classificação, mas me sinto desmoralizado. Desde o fim do ano passado estava me debatendo pra traduzir dois contos, com o objetivo final de participar de um concurso para novos tradutores. Resumindo, não estou entre os 10 classificados à fase final, nem do conto em inglês, nem daquele em italiano. Mas tudo bem, como já diria uma música dos Engenheiros, "eu não vim até aqui pra desistir agora". Devo reconhecer que após dois anos aqui na Itália, meu português não é mais o mesmo, mas sei lá, o problema é ficar três meses me matando por um zero de reconhecimento. 

Relendo o texto para publicá-lo aqui no blog faria várias outras mudanças, e me parece que este primeiro texto não flui assim naturalmente, já do segundo gostei mais do resultado, mas enfim...depois do desabafo, deixo o julgamento das traduções a vocês, meus fantasmas. Primeiro, publico o texto italiano. Na próxima semana coloco aqui aquele traduzido do inglês.


UMA GOTA 
Dino Buzzati (Tradução minha)

Uma gota d'água sobe os degraus da escada. Consegue escutá-la? Deitado na cama no escuro, percebo o seu misterioso caminhar. Como é que ela faz? Saltita? Tic, tic, ouve-se intermitentemente. Em seguida a gota para e talvez pelo resto da noite não dê mais notícias. Todavia sobe. Galga degrau por degrau, ao contrário das outras gotas que caem perpendicularmente, em obediência à lei da gravidade, e ao final fazem um pequeno estalo, bem conhecido em todo o mundo. Esta não: segue devagar ao longo da escadaria letra E deste interminável edifício.

Não fomos nós, adultos refinados e muito sensíveis, a identificá-la. Mas uma doméstica do primeiro andar, pequena esquálida e ignorante criatura. Notara uma noite, muito tarde, quando todos já dormiam. Pouco depois não resistiu, levantou-se e correu para acordar a patroa. "Senhora" sussurrou "senhora!" "O que é?" disse a patroa, despertando "O que aconteceu?" "É uma gota, senhora, uma gota que tá subindo as escadas!" "Como?" perguntou a outra, confusa. "Uma gota que sobe os degraus!" repetiu a doméstica, e quase começou a chorar. "Essa agora" praguejou a patroa. "Tá maluca? Vai dormir, marcsch! Você bebeu, é isso, sua sem-vergonha. É esse o tanto de vinho que falta na garrafa de manhã! Sua imunda, se você pensa que..." Mas a mocinha fugira, devidamente escondida debaixo das cobertas.

"Quem sabe o que se passa na cabeça daquela estúpida" pensou depois a patroa, em silêncio, tendo já perdido o sono. E escutando involuntariamente a noite que dominava o mundo, ouviu também o curioso ruído. Uma gota que subia as escadas, realmente.

Metódica que é, por um momento a senhora pensou em sair para olhar. Mas o que poderia ver à miserável luz das lâmpadas escurecidas que pendem do corrimão? Como localizar uma gota em plena noite, com aquele frio, pelos lances tenebrosos?

Nos dias seguintes, de família em família, o boato espalhou-se lentamente e agora todos no prédio já estão sabendo, mesmo se preferem não comentar, como se fosse uma coisa boba da qual talvez envergonhar-se. Desde então, muitos ouvidos estão atentos, no escuro, quando cai a noite para oprimir o gênero humano. E há quem pense em uma coisa, quem pense em outra.

Certas noites a gota silencia. Em outras, ao contrário, por longas horas não faz nada além de deslocar-se, sobe, sobe, como se não fosse parar. Os corações se aceleram no momento em que o passo suave parece tocar a porta. Ainda bem, não se deteve. Lá vai ela, distanciando-se, tic, tic, em direção ao andar de cima.

Com certeza, sei que os inquilinos do mezanino a esse ponto pensam estar seguros. A gota – eles creem – já passou em frente à sua porta, não poderá mais perturbá-los; Outros, como eu que estou no sexto andar, têm agora motivos de inquietude, tanto quanto eles. Mas quem lhes disse que nos próximos dias a gota irá retomar o caminho do ponto que atingiu a última vez, ou melhor, não irá recomeçar lá de baixo, iniciando a viagem dos primeiros degraus, sempre úmidos e escuros de abandonada imundície? Não, nem mesmo eles podem se considerar seguros.

De manhã, saindo de casa, olha-se atentamente se por acaso ficou algum rastro. Nada, como era previsível, nem a menor marca. De manhã, no entanto, quem leva essa história a sério? Ao sol da manhã o homem é forte, é um leão, mesmo se poucas horas antes hesitava.

Ou aqueles do mezanino teriam razão? No entanto nós, que antes não percebíamos nada e nos considerávamos imunes, há algumas noites também ouvimos qualquer coisa. A gota está longe ainda, é verdade. Chega a nós somente um tique-taque levíssimo, triste eco através das paredes. Todavia é sinal de que está subindo e cada vez mais perto.

Mesmo dormindo em um quarto interno, longe da escadaria, não adianta. É melhor perceber o rumor do que passar as noites em dúvida se a gota está lá ou não. Quem mora naqueles quartos isolados às vezes não resiste, espreita em silêncio nos corredores e permanece à entrada no frio, atrás da porta, com a respiração suspensa, escutando. Se a ouve, não ousa distanciar-se, escravo de medos indecifráveis.  Pior ainda se está tudo tranquilo: neste caso como descartar que, uma vez de volta à cama, não comecem os rumores?

Que vida estranha, afinal. Não poder reclamar, nem tomar providências, nem achar uma explicação que acalme os ânimos. E não poder nem mesmo persuadir os outros, dos outros edifícios, que não sabem de nada. Mas que coisa seria então esta gota: - perguntam com exasperante boa fé - um camundongo, talvez? Um sapo vindo do subsolo? Na verdade, não.

E então - insistem - seria por acaso uma alegoria? Querer-se-ia, por assim dizer, simbolizar a morte? ou algum perigo? ou os anos que passam? Nada disso, senhores: é simplesmente uma gota, só que ela sobe as escadas.

Ou mais sutilmente pretende-se representar os sonhos e as quimeras? As terras almejadas e distantes onde se presume que esteja a felicidade? Enfim, alguma coisa de poético? Não, absolutamente.

Ou então os lugares mais distantes ainda, nos confins do mundo, os quais nunca alcançaremos? Mas não, digo a vocês, não é uma gozação, não existem duplos sentidos, trata-se - ai de mim - mesmo de uma gota d’água e, pelo que se presume, à noite sobe as escadas. Tic, tic, misteriosamente, degrau por degrau. E por isso se tem medo.




Dino Buzzati Traverso (16/10/1906 a 28/01/1972) escritor italiano, segundo alguns mais conhecido no exterior que no próprio país

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Meus fantasmas

Caro Senhor Fulano

Não temos nenhum registro de fantasmas ou fenômenos sobrenaturais no hotel. Às vezes me pergunto se não seria bom para os negócios se os tivéssemos...

Os únicos visitantes "permanentes" que temos são aqueles que gostam de voltar como clientes, todos os anos, por décadas.

Apesar da idade e da história do hotel, e o edifício não seja comum, isto é absolutamente normal em toda cidade de Pisa, um lugar que foi fundado aproximadamente há quatro mil anos.

Consequentemente presenças referentes à antiguidade podem ser sugeridas em qualquer esquina de Pisa (e provavelmente na maior parte da Itália) e não necessariamente no nosso hotel.

Através da história estivemos sempre felizes em dar as boas vindas a tantas pessoas boas que temos a impressão que todos deixaram traços positivos, e agradecemos muito por isso.





Atenciosamente
A Diretora do Hotel

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Carne, vinho e Dante


Quarta-feira passada foi feriado nacional aqui na Itália. O dia 2 de junho é o dia da Proclamação da República pra nós italianos, assim como 15 de novembro é a Proclamação da República para nós brasileiros.

Nesse mesmo dia (2 de junho) no ano de 1946, por meio de um referendo institucional, os italianos decidiram acabar com a monarquia - exilando o então rei Umberto II de Savóia - e criar a atual república parlamentarista.

E também nesse dia, no ano de 2010, comi o primeiro churrasco italiano, conhecido por essas paragens como Grigliata. Um dia quente. Quente o suficiente pra muita carne bovina e cerveja. Mas a grigliata, infelizmente, consiste em carne de porco.

E vinho.

Mas tudo bem, tenho que me acostumar a isso, afinal, também sou um deles.

Depois de dormir 2 horas e me recuperar mais ou menos do vinho, fui trabalhar. Como já disse outras vezes, de madrugada chega uma hora em que devo fazer a ronda no hotel, que consiste em descer a pé do quarto andar, apagando luzes e verificando a normalidade de tudo, para o bem-estar dos hóspedes. E lá fui eu.

Entrei no elevador, apertei o numero quatro e subi. Eu cantava uma música do White Stripes. E o elevador subia. Acabei a música, iniciei outra e ainda assim não havia chegado lá. Comecei a me preocupar, eu sempre quis subir na vida, mas não indefinidamente. Pelos meus cálculos eu deveria estar chegando ao vigésimo andar. Isso se ele existisse.

Simplesmente eu estava em contínuo movimento vertical indefinido. Não sabendo o que fazer, me sentei. O rumor começou a tornar-se monótono. Foi quando me veio a idéia de ligar pra alguém pedindo ajuda. Mas havia esquecido o celular na recepção. Cazzo.

Pelos meus cálculos, eu devia estar ali há mais ou menos quinze minutos. Foi então que lembrei do botão de emergência. Levantei-me e quando fui apertá-lo, o elevador parou e a porta se abriu. Saí um pouco ressabiado. Olhei para os lados. Quarto andar.

Estranho. A cada passo eu esperava que algo acontecesse. Tudo normal. Fui descendo, e nada. Chegando ao primeiro andar, apaguei as últimas luzes e troquei duas palavras com meu amigo busto de Dante sobre o ocorrido. Disse-me em latim "Nullum secretum est ubi regnat ebrietas". Tive de concordar, embora não tenha entendido muito bem o que ele quis dizer.

Me despedi do sumo poeta. Enquanto descia as escadas, porém, ouvi um barulho, como uma pedra que se espatifa.

Voltei rapidamente e vejo o busto de Dante em cacos. Cada parte da sua cabeça foi para um lado. Neste momento, enquanto começava a formular explicações pra dar aos meus superiores no dia seguinte, percebi que um pedaço da estátua ainda se movia. Aproximei-me.

Era a boca de Dante. Rolava de tanto rir.

* * *

Boa Copa do Mundo!