sábado, 24 de setembro de 2011

Um Poema de Amor

todas as mulheres
todos seus beijos os
diferentes modos de amar e
falar e precisar.

suas orelhas todas elas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.

na maioria das vezes
as mulheres são
cálidas elas me lembram
de torradas com a manteiga
derretida
nelas.

mas têm um modo de
olhar: elas foram
usadas elas foram
enganadas. fico sem saber o que fazer
por
elas.

sou
um bom cozinheiro um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar – eu estava ocupado
com coisas mais importantes.

mas gostei de suas diversas
camas
fumando cigarros
contemplando os
tetos. nunca fui nocivo ou
injusto. só
um estudante.

sei que todas têm esses
pés e descalças cruzam o piso enquanto
eu assisto suas nádegas dengosas no
escuro. sei que elas gostam de mim, algumas até
me amam
mas eu amo muito
poucas.

algumas me dão laranjas ou suplementos vitamínicos;
outras falam silenciosamente da
infância e dos pais e
de paisagens; algumas são quase
loucas mas todas têm um
significado; algumas amam
bem, outras nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre são as
melhores em outras
coisas; cada uma tem limites como eu tenho
limites e entendemos
um ao outro
bem rápido.

todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos
os tapetes as
fotos as
cortinas, é
algo como uma igreja só
às vezes tem
risadas.

essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos

me vendo, a ternura e
a vontade me possuíram me
possuíram.

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Charles Bukowski, A Love Poem, do livro 'The pleasures of the damned', tradução minha.

domingo, 18 de setembro de 2011

Fundo do baú

The stairs seem to have
no end
& I seem to
have gone insane.

(23-12-1999)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

pensamentos em um banco de pedra em Venice


me sento neste banco e vejo
o mar e os estranhos e os
amantes.

preciso de novos olhos uma nova boca novos
travesseiros, uma nova mulher.

todos os velhos garanhões com meio
olho na cabeça adoram seduzir e montar
uma nova e jovem potranca.

quando penso em homens sem mulheres cortando
a grama nos sábados e jogando futebol,
baseball, basquetebol com seus filhos
sinto vontade de vomitar no distante
horizonte.

a família fede a Cristo
e ao mercado de ações americano.
a família fede a segurança e
torpor e perus de ação de graças.
a família fede a carros sufocantes
empacotados passeando por
florestas de sequoia.

preciso de novos olhos uma nova mulher novos
tornozelos uma nova voz novas traições.

não quero uma longa procissão
funeral quando eu morrer.
quero continuar sem nenhum peso
ou obrigação.

quero somente a escuridão taciturna quero
uma tumba como esta noite agora:
eu aqui não diluído –
sólido, enfermo, imaculado.
seguro-me firmemente em mim. isso é tudo que
existe.
 ____________________________________________
Charles Bukowski, tradução minha

domingo, 11 de setembro de 2011

A vida embaçada

Muitos anos atrás eu li alguma coisa a respeito de teorias literárias e métodos narrativos, não me lembro onde nem o autor. Mas era um livro (ou um artigo ou um site na internet) que listava os métodos conhecidos de narrativa e dava exemplos de livros e autores famosos que o utilizaram. Um desses livros era "Se um viajante numa noite de inverno" do Italo Calvino e me chamou muito a atenção por ser um dos livros que usam a narração na segunda pessoa. À época eu não consegui sequer imaginar como poderia ser feita uma narrativa desta forma, e fiquei com aquela pulga atrás da orelha.

E a pulga, durante todos esses anos, coçou muito. Volta e meia eu tinha que me lembrar de ler tal livro. Eis que, após minha  mudança para a cidade mais líquida do Brasil, descobri aqui perto da minha casa várias coisas, como supermercado, fruteira, ponto de ônibus, estádios, padarias, bares, universidades, cursos e, também, a biblioteca municipal. Lá fomos nós, eu e a pulga, conhecer o local.

Fiquei impressionado com o tamanho do local: minúsculo. Pouquíssimos livros, o que demonstra que ninguém mais se interessa por essas coisas antiquadas cheia de letras. Nem eu, que confesso diminuí muito a quantidade de leituras. Mas graças à pulga, lembrei-me na hora do livro e o peguei.

Após quase 2 meses, a pulga merece vários aplausos e agradecimentos. Ela, envaidecida e tímida, aceita. Calvino é um dos grandes escritores italianos do século XX e um dos mais criativos do mundo. A pulga, com curiosidade, leu muito mais rápido o livro, e me incentivava a terminá-lo. No final consegui, mas não me animei a escrever nada, então a pulga fez uma pequena resenha, que eu iria reproduzir aqui, mas com a chuva torrencial dos últimos dias a umidade relativa do ar ultrapassou os 100%, molhando o manuscrito do inseto.

Nesses dias de chuvas intensas qualquer movimento que eu fizesse tinha a resistência similar à da água. Eu me sentia em uma piscina 24h por dia, as pessoas estavam esverdeadas, como que nascendo musgos e líquens em suas peles. Me senti um dos Buendía na Macondo de García Márquez, durante a chuva que durou mais de 4 anos.

(A pulga me pede nesse momento pra recomendar o livro do Calvino. Tudo bem, eu recomendo.)

Nadando pelas lojas centrais da cidade-água, descobri um sebo onde encontrei um dos outros grandes escritores que gosto pacas, o Fonseca, Rubem. Além de ser um dos fodões da literatura brasileira é um grande criador de títulos. "Vastas emoções e sentimentos imperfeitos" é o nome do romance que, como tudo que vem de Fonseca, é cru, sem meias-palavras, sem pedir licença. Acontece e pá pum. Fonseca não justifica nada, seus personagens não justificam nada e tudo flui como água para a imensidão do mar.

Outro livro do Fonseca cujo título é bom, porém ainda não lido pela minha pessoa, nem pela pulga, é "E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto". Tenho aqui em minha estante uma coletânea de contos e o romance "Diário de um fescenino", mas já li vários outros e como o Calvino, a pulga também recomenda.

Após ter saciado a vontade da pulga em recomendar livros e autores, coisa que eu acho meio chato, me ne vado, que hoje tenho que pegar um pouco de sol, coisa rara aqui, na cidade molhada.