segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O exército de um homem só

Faleceu ontem o grande escritor Moacyr Scliar. Posso afirmar que sou um grande leitor seu, graças a meus 1,87 m de altura, mas infelizmente, referindo-me à estatura da sua obra e não à minha, não cheguei a ler 10% de seus livros.

Com mais de 80 publicados, bastariam 8 para atingir essa meta. Eu devo ter lido uns 5 ou 6. Aos poucos devo remediar isso. Ontem mesmo, li um que estava na minha pequena biblioteca há anos - muitos anos. Mês de cães danados, chama-se. Assim como O exército de um homem só, também de Scliar, foram dois dos muitos livros que li graças a referências na obra musical dos Engenheiros do Hawaii. Mês de cães danados fala sobre as aventuras de um filho bastardo de um fazendeiro, nos tempos da renúncia de Jânio Quadros.

Scliar tinha o dom da escrita. Sabia escrever histórias inteligentes, críticas e divertidas ao mesmo tempo. Mas dos três livros que possuo, o meu preferido é, certamente, A mulher que escreveu a Bíblia. Um dos seus livros mais aclamados ainda não tive a oportunidade de ler: O centauro no jardim rendeu vários prêmios nacionais e internacionais ao escritor, e foi parar na lista dos 100 melhores livros do mundo inteiro de todos os tempos sobre a temática judaica.

Não conheci Scliar pessoalmente, nem nunca troquei emails com ele, como o fez meu primo Eduardo, portanto nada posso falar de sua pessoa. Mas o que todos relatam é um homem generoso e simples. Assim como seus livros.

Scliar é imortal de verdade. Mas nessas horas me pergunto: porque não o Sarney?

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Mochilão na Europa PARTE VII - O lado escuro de Copenhague

Meus caros fantasmas já se foram todos embora. Sobrou-me eu. Só, tento relembrar-me de dias já passados, longínquos, que nem ao menos sei se realmente aconteceram, ou se tudo isso foi mais um sonho. Mais um, entre tantos, entre muitos. Entrementes, sigo o relato, devidamente esquartejado em infinitas partes. Se tudo sair como planejado, antes de completar um ano da minha viagem, isto é, em agosto de 2011, este relato estará completo.

Mas, como eu ia dizendo no último post...





Foi aí que descobri o lado escuro da cidade. O lado escuro, do escuro do mundo. Na rua, mal iluminada, viam-se sombras. Depois dos primeiros passos já pensei que seria assaltado. Mas lembrei-me que estava na Europa e, mais ainda, na Escandinávia. A lascívia amalgamada à ignávia me fizeram sentir na Bolívia, perdido nas florestas.

A Halmtorvet, ao contrário da Vesterbrogade, não era tão frequentada à noite. Ou melhor, era, mas não tão bem. Nas esquinas grupos de pessoas em frente a portas semi-abertas. Nas outras esquinas, mulheres decadentes se ofereciam a clientes idem. Escondidos, os gigolôs observavam. Pocilgas ofereciam strip-teases.

Chega-se ali com a ilusão da perfeição nórdica, que até certo ponto é verdade, mas o ser é humano, e a decadência é inevitável. Decadence avec elegance. Apesar disso, estava muito mais tranquilo do que estaria em uma rua deserta no Brasil. Ali, parece, não mexem com quem tá quieto. Segui meu caminho em frente. Lembrei-me da minha viagem a Barcelona, dois anos antes, onde aconteceram cenas semelhantes.

Quando dei por mim, estava no albergue, dormi profundamente. Acordei tarde, uma chuva interminável o que trouxe um leve frio. A temperatura que peguei na Suécia era em torno de 30 graus, e seria o mesmo na Dinamarca, não fosse pela precipitação. Por causa disso, me vi ao redor dos 15, sem ter trazido muita roupa. Pensei, merda, o que vou fazer num dia de chuva?

Elementar, meu caro fantasma! Aproveite e vá para um museu, e finja ser uma pessoa culta. Boa ideia! (Já estou me acostumando à nova ortografia...escrever sem acento é muito fácil, deveríamos abolí-los todos.)

Fui, então, ao museu. O Museu da Cerveja Carlsberg, a quarta maior cervejaria do mundo. Chegar lá foi difícil. Precisei pegar dois trens e ainda caminhar um bom tempo debaixo do meu guarda-chuva meia boca. Pra piorar, o mapa não dizia exatamente onde era a entrada do museu, e a fábrica da Carlsberg ocupa um espaço imenso. Acho que entrei pela parte dos funcionários. Pelo menos foi isso que consegui identificar com meu dinamarquês cambaleante. Quando finalmente achei a entrada, minhas calças estavam molhadas até os joelhos. Mas como dizem os italianos "Non ti mettere a giocare se non vuoi pericolare". Entrei.



Aí voltamos ao Preâmbulo das minhas aventuras. Depois das cervejas belgas, chegou a vez do Museu da Cerveja. Eu nunca havia experimentado a Carlsberg. Mas até eu provar perdi um bom tempo. Os prédios do local são bonitos, e detalhes peculiares como o Elephant Gate merecem uma paradinha.


Entrando no museu, vê-se a maior coleção de cervejas fechadas do mundo inteiro. São milhares de exemplares expostos aos visitantes, que boquiabertos pensam ao mesmo tempo "que bonito" e "que desperdício". Em seguida, um belo passeio contando a história da cerveja, provavelmente uma das primeira bebidas alcoólicas criadas pelo homem. (Sabe-se que o povo sumério, que viveu 3 mil anos a.C adorava a deusa da cerveja Nin-Kasi). Depois, veio a história da própria cervejaria. Fundada em 1847 por J.C. Carlsberg, vídeos contavam todo o processo de produção da cerveja, a seleção dos grãos, as temperaturas ideais, os ingredientes, as fases de mistura, armazenamento, engarrafamento e distribuição e foi a partir daí, somando-se à minha experiência belga, que tive cada vez mais convicção de que a cerveja é uma arte, uma obra-prima. E só poucos conseguem apreciá-la devidamente. Devemos bebê-la com todo respeito e admiração que ela merece.


No final do museu tive a oportunidade de saborear 3 das várias cervejas produzidas pela Carlsberg, todas muito boas. Saí satisfeito e dizendo em voz alta "In vino veritas" para as pessoas com quem cruzei na rua. A chuva tinha passado, eu estava feliz, mas não percebi que a citação em latim nada tinha a ver com a cerveja.

Continua no próximo post.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Duas do Buk - Traduções minhas


poesia

precisa-
se
de muito

desespero

dissabor

e
desilusão

para
escrever


alguns
poucos
poemas.

não é
pra
qualquer um

tanto

escrevê-
los

quanto

lê-
los.



o ovo

ele tem 17.
mãe, ele disse, como se quebra um
ovo?

tudo bem, ela me disse, você não precisa se
sentar olhando desse jeito.

ô, mãe, ele disse, você quebrou a gema.
eu não posso comer a gema quebrada.

tudo bem, ela me disse, você é durão,
já trabalhou em matadouros, indústrias,
na prisão, você é tão fudidamente durão,
mas todas as pessoas não precisam ser como você,
isso não faz com que todos estejam errados e você
certo.

mãe, ele disse, você compra umas cocas
quando estiver voltando do trabalho?

olha, Raleigh, ela disse, você não pode trazer as cocas
na bicicleta, eu estou cansada depois do
trabalho.

mas, mãe, tem uma subida.

que subida, Raleigh?

tem uma subida,
eu tenho que pedalar
ali.

tudo bem, ela me disse, você acha que é
fudidamente durão. você trabalhou nas linhas de
trem, eu ouço isso toda a vez que você fica bêbado:
"eu trabalhei nas linhas de trem."

bom, eu disse, eu trabalhei.

quer dizer, que diferença isso faz?
todo mundo tem que trabalhar em algum lugar.

mãe, disse o menino, você vai trazer as
cocas?

eu gosto muito do menino. acho ele bem
cortês. e assim que ele aprender a quebrar um
ovo poderá fazer algumas
coisas estranhas. no meio tempo
eu durmo com a mãe dele
e tento evitar
discussões.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ver

Ver como um ser 
desamparado de véus
e ter a morte como companheira
de jornada

é meu sim que me mente por inteiro
contra a vergonha
insuportável.

Era eu aquele livro


Entre a certeza e a indecisão
ah, indecisão!
No final do dia,
dos dias
do fogo, o fogo
ainda.
Era eu aquele livro. Era
eu!

Mas ninguém me acreditou,
e fui virado
como uma página.

De um livro,
nem um índice, nem um prólogo.
De um livro
nem ao menos
o prefácio.
De um livro,
longe da introdução, de um
capítulo.
A milhas da conclusão.

De um livro,
no máximo um epílogo.

Da vida,
um epitáfio.