domingo, 21 de novembro de 2010

Mochilão na Europa PARTE V - A noite escandinava

Quase um mês atrás eu tinha escrito a última parte desta saga pela Europa. Se continuar nesse ritmo, talvez perto do mundial de 2014 eu termine de contar o que aconteceram em duas semanas cheias de episódios insólitos, alguns meses atrás, durante o verão europeu.

Mas como eu dizia no último post: depois de um bom cochilo, fui pra noite sueca. A primeira coisa que eu queria ver era o sol da meia-noite, mas descobri que isso acontece só na parte setentrional do país, perto do Pólo Norte, onde é frio, muito frio, frio pacas, mesmo no verão. Paciência, já diria alguém.

No bar do barco-albergue-restaurante (como poderia chamá-lo, barguete? ou resalbar?) enquanto bebia uma loira sueca (muito boa, por sinal),  perguntei às funcionárias os melhores locais de Estocolmo.

- Existem duas concentrações - disseram - uma um pouco mais ao sul daqui, ainda em Södermalm, tem vários bares etc. Mas normalmente fecha cedo e depois o pessoal todo migra pra Norrmalm, onde estão as discotecas.

- Mas e são boas as discotecas? - perguntei, curioso.

- Absolutely!



Esses suecos são espertos, pensei. Era o que eu estava planejando fazer. Um barzinho e depois um tutz tutz. No metrô, pensava como era bom tirar férias e cantarolei alguma coisa do ABBA. Pra quem não sabe, ABBA era um grupo sueco lá dos anos 60-70 conhecido mundialmente e o mais importante representante da cultura sueca. Sucessos como Dancing Queen e Mamma Mia ecoam em cada esquina, souvenirs são vendidos em toda parte, camisetas, bonés e o que mais vier em mente. É o orgulho nacional. Se qualquer um dos ex-integrantes se candidatasse ao parlamento sueco, provavelmente seriam eleitos. Mais ou menos como o Tiririca, para os brasileiros.

Saindo do metrô vi uma movimentação enorme. Que magavilha, pensei. Foi então que descobri que estava acontecendo uma corrida noturna, e era quase impossível atravessar as ruas. Fiquei vagando entre os dois bares que eu conseguia acessar enquanto olhava perplexo a galera que corria. Ou estavam correndo ao redor do quarteirão, ou tinha muita gente mesmo. Fiquei por ali mais ou menos uns 40 minutos, e não parava de passar gente. Até que desisti, terminei a última loira e entrei no metrô em direção ao norte das ilhas.

Descendo - aliás, subindo, porque o metrô é subterrâneo - na estação de Östermalmstorg, uma cidade vivaz me esperava. Alguns bares e muitas discotecas. Comecei a fazer o reconhecimento das ruas, pra não correr o risco de me perder. Que mentira.

Girei um pouco com essa desculpa esfarrapada e vi que tinha uma discoteca cheia de gente querendo entrar, entupida. Parecia ser aquela da moda. Fui me infiltrando até que cheguei na frente do segurança. Só que o cara deixava entrar todo mundo, menos eu. "Skitstövel!", disse em sueco. E saí correndo. Não sei o que quer dizer, mas só pode ser um palavrão. Errei mais um pouco até encontrar um outro lugar, Golden Hits, com somente três pessoas na fila. O nome era suspeito, mas entrei. Era estranho. Deveras estranho. Mas fui andando, afinal, estou em um outro país, numa outra cultura, devo respeitar. 

À esquerda da entrada, uma sala com karaoke, cheia de suecos cantantes. "Porca puttana", murmurei em italiano, "até aqui essa praga". Várias mesas distribuídas em um grande espaço. Admirei o espetáculo por uns minutos, e não durou muito até que um resolveu cantar ABBA. Foi demais pra mim e segui adiante. Em frente, uma bifurcação: uma escada em caracol à esquerda, um bar à direita e, seguindo um pouco mais pelo corredor, uma mesa de cassino (?) e uma pista de dança. Com tantas opções, sem saber o que fazer, fui à direita, peguei uma loira e continuei admirando as outras. Por sorte não estava tocando ABBA em versão dance. Fiquei um pouco ali até que me veio a curiosidade de subir as escadas.

No Brasil, quando tem uma escada em qualquer discoteca, pode ter certeza que um segurança vai te barrar se você não tiver a pulseirinha que te autoriza a ser superior aos outros. Mas não vi ninguém barrando ninguém, e fui reto, como se fosse normal pra mim, ignorando todos ao redor. Depois dos três primeiros degraus ninguém me puxou pelo braço e sorri no pensamento. Até que, mais seguro, olhei pra trás, e todo mundo subia tranquilamente. Essa escada é pros mortais, pensei. Em algum ponto me barram.

No segundo andar, uma outra pista de danças, e outras mesas com jogos de azar. A galera era mais agitada, também porque a música o era. Peguei outra loira e analisava atentamente o local. Foi quando começou uma música que não me era estranha. Lembro de tê-la sentido quando era criança, mas não estava reconhecendo o ritmo. Eu sentia que o refrão estava por vir, e veio: "Chiquitita, you and I know..." ABBA! Não!

Encontrei outra escada e subi correndo, cuidando pra não derrubar nenhuma loira, principalmente a minha, na roupa. No terceiro andar, adivinhem: outra pista de dança, com mesas de cassino (porém menos) e dois fliperamas. Num terraço ao ar livre, um bar. Não lembro que música tocava, mas creio que não era ABBA. Fiquei algumas horas por ali, subindo e descendo os três andares até que decidi dar uma volta, pra conhecer outro local.

Mas, no momento em que eu ia sair, me barraram. De qualquer maneira sabia que me barrariam em algum momento, mas não entendi porra nenhuma. Na Suécia te barram na saída... Provavelmente, àquela altura da noite, eu tentava exigir explicações em russo e o cara respondia em sueco. Deve ter sido um belo diálogo. Alguma coisa ele provavelmente entendeu, porque me respondia com frases ininteligíveis. Ficamos algum tempo assim, até que me dei conta que eu deveria tentar falar inglês. "Uai? Uai?" disse em inglês, mas gesticulando em italiano. Ele entendeu e respondeu: "No beer". Eu insisti, "Ai pei for de bier, ai laique bier, de bier iss main". Pra tentar comovê-lo, peguei-a nos braços e disse "ai loviú". Com o mais belo olhar possível com aquela graduação alcoólica àquela hora da noite, mirei aquela loira maravilhosa em meus braços e a bebi inteira. "Posso sair agora?", perguntei já em português cambaleante. "Absolutely", disse o capanga. "Thenquiú sãr! Si iú!" respondi e pensava como eu poderia tentar seguir a carreira na dramaturgia, depois de tão bela encenação e consequente comoção da platéia.

Somente no dia seguinte fui entender que na Suécia não é permitido beber cerveja pelas ruas. Foi por isso que, durante a tarde, eu bebia minha loirinha na grama e todos olhavam, atônitos. E foi também por isso que o segurança não me deixou passar. Enquanto eu imaginava que viveria confinado em uma discoteca para todo o sempre, cercado de loiras e torturado pelas canções do ABBA, tudo que eu precisava era beber a cerveja pra poder sair. "Santa proibição, Batman!", já diria o menino prodígio.

Dali, girei mais um pouco pelo centro, até que decidi voltar ao resalbar (ou barguete, como você preferirem). No dia seguinte, uma ressaca do cão e enrolei o dia inteiro até pegar o trem noturno que me levaria de Estocolmo a Copenhagen, a capital da Dinamarca, onde beberia algumas outras loiras com algumas outras loiras falando outra língua incompreensível, e também aconteceriam algumas outras histórias que, não só aconteceriam, como aconteceram, e eu as contarei no próximo post, sem data definida para ser publicado.

DINAMARCA

"Mamma Mia!", já diria um famoso grupo sueco.


Continua no próximo post.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Poema da insônia I


Cego. Eu creio
e vivo a vida,
sigo a estrada
inacabada
do meio.

Receio.
A certeza caída,
a verdade quebrada,
dilacerada
ao meio.

Sou cego, mas leio
e sem saída
saí pela entrada,
caí na escada:
quebrei a costela do meio.

Foi feio.
Mas a despedida
foi adiada
porque, atrasada,
você não veio.

Devaneio:
você despida,
entra apressada,
embriagada,
teu seio.

Não creio,
mas foi a partida
da vida errada.
A frase acabada
no meio.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Na chuvosa noite de Pisa

a alma e o coração
(Charles Bukowski)


inexplicavelmente estamos sozinhos
para sempre sozinhos
e era pra ser
assim,
não era pra ser
de nenhum outro modo -
quando a luta contra a morte
começar
a última coisa que desejo ver
é
um círculo de faces humanas
pairando sobre mim -
prefiro meus velhos amigos,
e as paredes de mim mesmo,
que estejam somente eles ali.

tenho estado sozinho mas raramente
solitário.
satisfiz minha sede
no poço
de mim mesmo
aquele vinho era bom,
o melhor que já bebi,
e esta noite
sentado
olhando a escuridão
finalmente entendo
a escuridão e a
luz e tudo que está
entre os dois.

a paz da alma e do coração
chega
quando aceitamos como
é:
ter nascido
nesta
estranha vida
devemos aceitar
as inúteis apostas de nossos 
dias
e nos satisfazer com
o prazer de
deixar tudo
pra trás.

não chore por mim.
não sofra por mim.

leia
o que escrevi e
então
esqueça
tudo.

beba do poço
de você mesmo
e comece
de novo.
mind and heart 
(Charles Bukowski)

unacccountably we are alone
forever alone
and it was meant to be
that way,
it was never meant 
to be any other way-
and when the death struggle
begins
the last thing I wish to see
is
a ring of human faces
hovering over me-
better just my old friends,
the walls of my self,
let only them be there.

I have been alone but seldom
lonely.
I have satisfied my thirst
at the well
of my self
and that wine was good,
the best I ever had,
and tonight
sitting
staring into the dark
I now finally understand
the dark and the
light and everything
in between.

peace of my mind and heart
arrives
when we accept what
is:
having been
born into this
strange life
we must accept
the wasted gamble of our
days
and take some satisfaction in
the pleasure of
leaving it all
behind.

cry not for me.

grieve not for me.

read
what  I’ve written
then
forget it
all.

drink from the well
of your self
and begin
again.

______________________
Tradução minha.