Muitos anos atrás eu li alguma coisa a respeito de teorias literárias e métodos narrativos, não me lembro onde nem o autor. Mas era um livro (ou um artigo ou um site na internet) que listava os métodos conhecidos de narrativa e dava exemplos de livros e autores famosos que o utilizaram. Um desses livros era "Se um viajante numa noite de inverno" do Italo Calvino e me chamou muito a atenção por ser um dos livros que usam a narração na segunda pessoa. À época eu não consegui sequer imaginar como poderia ser feita uma narrativa desta forma, e fiquei com aquela pulga atrás da orelha.
E a pulga, durante todos esses anos, coçou muito. Volta e meia eu tinha que me lembrar de ler tal livro. Eis que, após minha mudança para a cidade mais líquida do Brasil, descobri aqui perto da minha casa várias coisas, como supermercado, fruteira, ponto de ônibus, estádios, padarias, bares, universidades, cursos e, também, a biblioteca municipal. Lá fomos nós, eu e a pulga, conhecer o local.
Fiquei impressionado com o tamanho do local: minúsculo. Pouquíssimos livros, o que demonstra que ninguém mais se interessa por essas coisas antiquadas cheia de letras. Nem eu, que confesso diminuí muito a quantidade de leituras. Mas graças à pulga, lembrei-me na hora do livro e o peguei.
Após quase 2 meses, a pulga merece vários aplausos e agradecimentos. Ela, envaidecida e tímida, aceita. Calvino é um dos grandes escritores italianos do século XX e um dos mais criativos do mundo. A pulga, com curiosidade, leu muito mais rápido o livro, e me incentivava a terminá-lo. No final consegui, mas não me animei a escrever nada, então a pulga fez uma pequena resenha, que eu iria reproduzir aqui, mas com a chuva torrencial dos últimos dias a umidade relativa do ar ultrapassou os 100%, molhando o manuscrito do inseto.
Nesses dias de chuvas intensas qualquer movimento que eu fizesse tinha a resistência similar à da água. Eu me sentia em uma piscina 24h por dia, as pessoas estavam esverdeadas, como que nascendo musgos e líquens em suas peles. Me senti um dos Buendía na Macondo de García Márquez, durante a chuva que durou mais de 4 anos.
(A pulga me pede nesse momento pra recomendar o livro do Calvino. Tudo bem, eu recomendo.)
Nadando pelas lojas centrais da cidade-água, descobri um sebo onde encontrei um dos outros grandes escritores que gosto pacas, o Fonseca, Rubem. Além de ser um dos fodões da literatura brasileira é um grande criador de títulos. "Vastas emoções e sentimentos imperfeitos" é o nome do romance que, como tudo que vem de Fonseca, é cru, sem meias-palavras, sem pedir licença. Acontece e pá pum. Fonseca não justifica nada, seus personagens não justificam nada e tudo flui como água para a imensidão do mar.
Outro livro do Fonseca cujo título é bom, porém ainda não lido pela minha pessoa, nem pela pulga, é "E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto". Tenho aqui em minha estante uma coletânea de contos e o romance "Diário de um fescenino", mas já li vários outros e como o Calvino, a pulga também recomenda.
Após ter saciado a vontade da pulga em recomendar livros e autores, coisa que eu acho meio chato,
me ne vado, que hoje tenho que pegar um pouco de sol, coisa rara aqui, na cidade molhada.