sábado, 24 de setembro de 2016
O quis assim o Destino
Quis o destino -
quem será o destino?
- que assim o fosse.
O destino o quis assim.
Destino, quem sois?
Quem dera o soubéssemos. Quem dera o entendêssemos.
Para o bem ou para o
mal,
assim o era.
Pois o destino possui razões que o próprio destino
desconhece. Desrazões ainda piores.
Ou maiores.
Eu cri, aprendi, soube, ri.
Chorei, perdi, cresci, arrependi.
Mudei, fiz, li, enterneci.
Briguei, pacifiquei,
o futuro vislumbrei:
lutei pelo que vi.
Dispus-me a.
Dizei-me, agora, vós
o quê
em
troca
recebi.
Dizei-me, ó
destino,
indecifrável enigma profundo,
a recompensa
da perseverança.
Dizei!
Pois o futuro
não nos lê,
e nos crê ainda
menos.
Dizei, ó sacripantas -
tu mesmo, destino ausente -
que sofrimento insistente
me deste por suportar
Que glórias divinas -
mentiras! -
prometeste-me
Destino, cruel
tu és,
como a gigantesca onda
destroçando o convés
do barco de minh'alma,
que se afoga sob meus
pés
Dizei,
sob a cruz emoldurada,
tudo o que sabeis!
Dizei,
sob juramento bíblico,
o que não sei!
Dizei,
entre a luz dos holofotes,
o que pensei!
Admiti,
se porventura
nosso acordo quebrei.
Mas dizei
o que precisas. É o que,
pois,
necessito para
viver.
Se o vinho o sangue representa,
se o trigo, o corpo transfigura,
dá-me o que minha sede alenta,
embriaga-me do mal de vossa usura.
Dizei, contudo, o que preciso,
pois desta forma viver não aguento.
Sejais, porém, breve e conciso,
para do mal livrar-me bem com teu uguento.
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terça-feira, 26 de julho de 2016
Melancolia
Estou de férias
Estar é um verbo muito amplo.
Gosto de estar.
O horizonte se abre quando se está.
Estou. E ponto.
E tudo o mais vive na formatação dos parágrafos.
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quinta-feira, 21 de abril de 2016
COMO PERDER A SI MESMO EM 7 ATOS*
I
- A Felicidade Inebriante ou A Vontade de Não-Ser
Nas
horas escuras de dúvida e temor e desejo de viver
Insurge-se
contra mim e me atropela
A
vontade de não-ser
Das
profundezas mais sombrias e execradas do meu pensamento surge ela,
fingindo
não-ser para ficar
Forçando-me
contra meu abismo e sucumbindo-me às suas vontades
A
vontade de não-ser toma conta de mim e me governa
Abusa
do meu corpo e do meu cérebro obtém o que quer e quando quer
Os
fins justificam seus meios sem meio-termo,
nem
devaneios e sem ao menos ligar para as conseqüências
O
ápice da vontade de não-ser inebria de uma forma o meu ser que,
por
estar vivo no outro dia posso considerar-me um vitorioso
Triste,
porém, é saber por vozes do além o que a vontade de não-ser
provocou em mais alguém
II
- Um Sentido Escondido
Assim
como sucumbo à vontade de não-ser sucumbo também à dúvida que me
dilacera atrás de respostas e de defesas para meu corpo a memória
castigada em sua via-crúcis semanal é pouco mais que nada: é uma
pegada na lama enquanto chove é uma gota de água na imensidão do
mar as escoriações, os odores, as sujeiras e as dores são parcos
indícios de coisa alguma as falas confusas, flashes de cenas que bem
poderiam ser de um filme, ou de um sonho, mais me atormentam que me
acalmam e a angústia de não ser ninguém me abraça e me acolhe com
seu calor, seu aconchego e suas canções de ninar
III
- Um Motivo Qualquer
Tudo
começa na hora do sonho que me excita pensamentos e imagens
Pessoas
e lugares desfilam em meu córtex e,
violento
e semi-adormecido, aceito dos delírios as provocações sem
pestanejar
Ou
então não é num sonho, é num convite, numa pergunta e perdido e
sem opção me atiro de cabeça na ignomínia desenfreada e sem volta
sem pensar
Ou
então é só, enquanto eu, pusilânime, me deleito na minha
necessidade e no meu vício de solidão que me impelem a ser quem não
sou sem questionar
Pode
ser um sonho acordado enquanto olho o horizonte fundo,
do
outro lado e aceito distanciar-me de mim sem piscar
Ou
são apenas desculpas para eu não precisar admitir minha covardia
perante a vida.
IV
- Um Estímulo Podre e Desleal
Uma
vez fora de mim qualquer bobagem torna-se grandiosa e qualquer olhar
transfigura-se em amor qualquer mulher em amante qualquer sussurro,
um convite
E
quanto mais me suicido, mais me maldigo por dentro e,
concomitantemente, mais ódio e raiva transbordam de mim e me
estimulam a mudar-me, ainda mais, a personalidade
No
final todos são procazes (inclusive o mais santo) e todos
suscetíveis a opróbrios tão voláteis quanto meu humor e tão
vazios quanto eu
V
- O Desespero Pós-Felicidade
O
ato de acordar talvez seja o mais amargo e acre depois da felicidade
inócua
Perdido
e sem ação, lamento e retorço as memórias e o corpo numa vã
tentativa de retroagir e, sem sucesso, resigno-me e sofro, enfim, o
castigo que mereço
Meus
fantasmas, sarcásticos, não perdoam nem mesmo meu estado de inação
e fraqueza
Meus
fantasmas e minhas sombras me subjugam e me desequilibram impiedosos
Meu
ódio é inversamente proporcional ao meu conhecimento e às minhas
conclusões
Mesmo
nosso julgamento das coisas não tem valor quando não se tem noção
do que se perde e do que se é
VI
- A Angústia Premeditada
Na
montanha e na caverna de meu desespero os corvos,
os
abutres e os urubus devoram a carne pútrida da minha felicidade
Morreu
em êxtase: ébria e dormitante
Morreu
desgostosa: só e iludida
Morreu.
Em
seu lugar nasceu uma angústia melancólica e sufocante cujo sabor eu
já sentira outrora
Senti-me
repetindo uma mesma vida
Revivendo
meu início, rebobinando e reiniciando a mesma fita
Senti-me
pedante como todas as redundâncias
Senti-me
enjoado como todas as repetições
Senti-me
tonto como tudo o que gira e não consegue parar
E
preso à essa angústia renasci igual e tão fútil quanto antes
Todas
as vidas que vivi e que vivo têm o mesmo gosto insosso e a mesma cor
amarelada
Todos
os dias em que me vejo no espelho enxergo uma caveira que acena e
ri-se de mim
Corro
para longe e, à medida que me afasto,
aproximo-me
mais do que tanto fujo e do que tanto temo: A minha verdade
O
único modo de não encontrá-la é esconder-me e, abraçado à
angústia, fingir não ser para ficar Viver outras vidas, mas ficar.
VII
- O Fim do Ser Enquanto Dono de Si Mesmo
O
que hei de chamar minha vida?
Eu?
O
que vivo?
Minhas
lembranças?
O
que penso?
O
que hei de chamar minha vida?
E
o que hei de chamar eu mesmo?
Quem
há de saber minha verdade, a não ser a própria verdade?
Estou
desenganado.
Já
desisti de ser eu mesmo.
Não
me reconheço em meus atos nem em minhas palavras.
Muito
menos no espelho
O
espelho da caveira claudicante deve representar os meus não-seres,
os
meus refúgios da verdade, mas não pode representar a mim!
Nego-me
a aceitá-la como meu reflexo, ainda que verdadeiro!
Antes
renegar o verdadeiro eu e tornar-me outro,
ou
sublimar-me no ar, a aceitar minha decadência e viver sem vida
como
um inseto ou poeira e perecer destruído mas com o orgulho de ser eu
mesmo!
Antes
não ter de aceitar minha alma - ou o que dela resta - de volta,
e
perder meu espírito,
e
sentir-me nu por dentro,
a
regozijar-me por morrer em pedaços mas com a alma intacta!
Antes
uma não-vida em um não-lugar a uma vida que não se percebe,
num
lugar que não se sente!
Agora
que a vontade de não-ser se apodera dos meus últimos pensamentos
deveras
aproveitáveis e das minhas últimas verdades e suspiros,
digo
adeus à vida e a Deus.
Agora
não sou mais eu,
nem
o intermédio: sou o outro.
Um
outro que não sabe quem é,
nem
porque é.
Mas
vive.
Desalentado
e indiferente a tudo,
mas
vive.
* Texto escrito por mim mesmo, no já distante 22/01/2003, com 21 anos: estudante, desempregado e sem perspectivas num breve futuro. Mal sabia eu o que aconteceria em poucos meses... É interessante ver como eu pensava àquela época. Minha evolução (ou involução, dependendo do ponto de vista). Fica o registro da péssima escrita do início do século, que deu origem à péssima escrita atual.
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quarta-feira, 2 de março de 2016
O retorno dos que não foram
Fui.
Mas cá estive
Todo este tempo.
Mas cá estive
Todo este tempo.
Fugi.
Pra longe,
Muito longe
Deste meu vento.
Pra longe,
Muito longe
Deste meu vento.
Escapei.
Das garras
Funestas
Do eu.
Das garras
Funestas
Do eu.
E aqui,
Nas amarras
Indigestas
Estou
Nas amarras
Indigestas
Estou
A questionar,
Na marra,
Os limites
Do tempo
Na marra,
Os limites
Do tempo
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Le poesie - Amelia Rosselli
Faccia nell'erba odori quel poco
che c'è da odorare. Sei stanco
vuoi dormire, ma non puoi. Le
rocce frastagliate prendono pose
sardoniche.
La morte è nell'aria, ti sfugge
solo per un poco. Quando torni
in pensione ti metti in ginocchio.
O vorresti. Ma non puoi.
Amelia Rosselli, p 421: Le Poesie
Face na grama cheiras o pouco
a ser cheirado. Estás cansado
queres dormir, mas não podes. As
rochas irregulares fazem poses
sardônicas.
A morte está no ar, te escapas
por um triz. Quando te
aposentas te colocas de joelhos.
Ou querias. Mas não podes.
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