I
- A Felicidade Inebriante ou A Vontade de Não-Ser
Nas
horas escuras de dúvida e temor e desejo de viver
Insurge-se
contra mim e me atropela
A
vontade de não-ser
Das
profundezas mais sombrias e execradas do meu pensamento surge ela,
fingindo
não-ser para ficar
Forçando-me
contra meu abismo e sucumbindo-me às suas vontades
A
vontade de não-ser toma conta de mim e me governa
Abusa
do meu corpo e do meu cérebro obtém o que quer e quando quer
Os
fins justificam seus meios sem meio-termo,
nem
devaneios e sem ao menos ligar para as conseqüências
O
ápice da vontade de não-ser inebria de uma forma o meu ser que,
por
estar vivo no outro dia posso considerar-me um vitorioso
Triste,
porém, é saber por vozes do além o que a vontade de não-ser
provocou em mais alguém
II
- Um Sentido Escondido
Assim
como sucumbo à vontade de não-ser sucumbo também à dúvida que me
dilacera atrás de respostas e de defesas para meu corpo a memória
castigada em sua via-crúcis semanal é pouco mais que nada: é uma
pegada na lama enquanto chove é uma gota de água na imensidão do
mar as escoriações, os odores, as sujeiras e as dores são parcos
indícios de coisa alguma as falas confusas, flashes de cenas que bem
poderiam ser de um filme, ou de um sonho, mais me atormentam que me
acalmam e a angústia de não ser ninguém me abraça e me acolhe com
seu calor, seu aconchego e suas canções de ninar
III
- Um Motivo Qualquer
Tudo
começa na hora do sonho que me excita pensamentos e imagens
Pessoas
e lugares desfilam em meu córtex e,
violento
e semi-adormecido, aceito dos delírios as provocações sem
pestanejar
Ou
então não é num sonho, é num convite, numa pergunta e perdido e
sem opção me atiro de cabeça na ignomínia desenfreada e sem volta
sem pensar
Ou
então é só, enquanto eu, pusilânime, me deleito na minha
necessidade e no meu vício de solidão que me impelem a ser quem não
sou sem questionar
Pode
ser um sonho acordado enquanto olho o horizonte fundo,
do
outro lado e aceito distanciar-me de mim sem piscar
Ou
são apenas desculpas para eu não precisar admitir minha covardia
perante a vida.
IV
- Um Estímulo Podre e Desleal
Uma
vez fora de mim qualquer bobagem torna-se grandiosa e qualquer olhar
transfigura-se em amor qualquer mulher em amante qualquer sussurro,
um convite
E
quanto mais me suicido, mais me maldigo por dentro e,
concomitantemente, mais ódio e raiva transbordam de mim e me
estimulam a mudar-me, ainda mais, a personalidade
No
final todos são procazes (inclusive o mais santo) e todos
suscetíveis a opróbrios tão voláteis quanto meu humor e tão
vazios quanto eu
V
- O Desespero Pós-Felicidade
O
ato de acordar talvez seja o mais amargo e acre depois da felicidade
inócua
Perdido
e sem ação, lamento e retorço as memórias e o corpo numa vã
tentativa de retroagir e, sem sucesso, resigno-me e sofro, enfim, o
castigo que mereço
Meus
fantasmas, sarcásticos, não perdoam nem mesmo meu estado de inação
e fraqueza
Meus
fantasmas e minhas sombras me subjugam e me desequilibram impiedosos
Meu
ódio é inversamente proporcional ao meu conhecimento e às minhas
conclusões
Mesmo
nosso julgamento das coisas não tem valor quando não se tem noção
do que se perde e do que se é
VI
- A Angústia Premeditada
Na
montanha e na caverna de meu desespero os corvos,
os
abutres e os urubus devoram a carne pútrida da minha felicidade
Morreu
em êxtase: ébria e dormitante
Morreu
desgostosa: só e iludida
Morreu.
Em
seu lugar nasceu uma angústia melancólica e sufocante cujo sabor eu
já sentira outrora
Senti-me
repetindo uma mesma vida
Revivendo
meu início, rebobinando e reiniciando a mesma fita
Senti-me
pedante como todas as redundâncias
Senti-me
enjoado como todas as repetições
Senti-me
tonto como tudo o que gira e não consegue parar
E
preso à essa angústia renasci igual e tão fútil quanto antes
Todas
as vidas que vivi e que vivo têm o mesmo gosto insosso e a mesma cor
amarelada
Todos
os dias em que me vejo no espelho enxergo uma caveira que acena e
ri-se de mim
Corro
para longe e, à medida que me afasto,
aproximo-me
mais do que tanto fujo e do que tanto temo: A minha verdade
O
único modo de não encontrá-la é esconder-me e, abraçado à
angústia, fingir não ser para ficar Viver outras vidas, mas ficar.
VII
- O Fim do Ser Enquanto Dono de Si Mesmo
O
que hei de chamar minha vida?
Eu?
O
que vivo?
Minhas
lembranças?
O
que penso?
O
que hei de chamar minha vida?
E
o que hei de chamar eu mesmo?
Quem
há de saber minha verdade, a não ser a própria verdade?
Estou
desenganado.
Já
desisti de ser eu mesmo.
Não
me reconheço em meus atos nem em minhas palavras.
Muito
menos no espelho
O
espelho da caveira claudicante deve representar os meus não-seres,
os
meus refúgios da verdade, mas não pode representar a mim!
Nego-me
a aceitá-la como meu reflexo, ainda que verdadeiro!
Antes
renegar o verdadeiro eu e tornar-me outro,
ou
sublimar-me no ar, a aceitar minha decadência e viver sem vida
como
um inseto ou poeira e perecer destruído mas com o orgulho de ser eu
mesmo!
Antes
não ter de aceitar minha alma - ou o que dela resta - de volta,
e
perder meu espírito,
e
sentir-me nu por dentro,
a
regozijar-me por morrer em pedaços mas com a alma intacta!
Antes
uma não-vida em um não-lugar a uma vida que não se percebe,
num
lugar que não se sente!
Agora
que a vontade de não-ser se apodera dos meus últimos pensamentos
deveras
aproveitáveis e das minhas últimas verdades e suspiros,
digo
adeus à vida e a Deus.
Agora
não sou mais eu,
nem
o intermédio: sou o outro.
Um
outro que não sabe quem é,
nem
porque é.
Mas
vive.
Desalentado
e indiferente a tudo,
mas
vive.
* Texto escrito por mim mesmo, no já distante 22/01/2003, com 21 anos: estudante, desempregado e sem perspectivas num breve futuro. Mal sabia eu o que aconteceria em poucos meses... É interessante ver como eu pensava àquela época. Minha evolução (ou involução, dependendo do ponto de vista). Fica o registro da péssima escrita do início do século, que deu origem à péssima escrita atual.