quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Cantoria
Tem a luz.
Do abajur no quarto escuro que conduz
pelos caminhos da noite, sinuosos
e me reduz
a um estranho, notívago em reino de luminosos
raios, de pessoas solares. Não faço jus
àquilo que tenho. Tenho medos vertiginosos.
Não faço jus.
Meus medos
vêm dos medos
que as pessoas têm.
Tem o vento.
A brisa que no início do outono avança
mansa
da janela semi-aberta, para o ar
deixar passar.
Esta usança
que minha vida salva, e da minha vida
faz criar
a luz, alva, a caminhar
perdida, no escuro do
luar.
Como a criança
entediada a falar
Ne ho abbastanza!
Tem o jazz.
Tem a música, tem o som, o embalo
resignado do rio em viagem
ao mar.
E se o embalo varia,
se o embalo muda
a rima,
o que fazer, ó Maria,
se o que era
não é mais,
e se o que se tem
a nada vale
(nem um vintém)?
Se o que se diz escorre
como água
dum chafariz?
O que fazer, ó Maria,
na calada da noite
- diga-me tu, musa mia, -
no cantar do rouxinol,
o que farias?
Ó Maria!
Agora me dizes
que destes assuntos
responder-nos ao menos
nem Deus saberia?
O que fazer, ó Maria,
se no meio da noite
nos vem o dia?
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quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Mochilão na Europa PARTE III - Öl? Absolutely!
Eu dormia tranquilo, quando ouvi um barulho. No início pensei que estivesse ainda sonhando. Parecia um motor. Depois me dei conta que o barco estaria se movendo. Acordei e percebi que era um ronco, mas muito alto. O mais alto ronco que havia sentido na minha vida.
Algumas horas antes o avião de Bruxelas aterrisou em Skavsta, uma cidade a mais ou menos 2h de ônibus de Estocolmo. A paisagem no trajeto não muda: árvores, plantações e estradas. É quando a civilização começa a aparecer. Desci na estação central, perto das 21h. Beleza, cheguei em Estocolmo. E agora?
A estação central é um caos, como já me alertou antes o meu guia "Europa de trem". A primeira coisa era achar um banheiro, mas as placas indicavam lugares inexistentes. Ou passagens secretas a mim desconhecidas. Estudei bem a situação e decidi que dava pra aguentar até chegar no barco. Nessas horas a gente aprende a observar os outros turistas. Segui de longe um casal que estava no mesmo ônibus, e logo eles acharam um local com o mapa da cidade e do metrô. Peguei o meu mapa e, enquanto fingia que lia, os segui e chegamos no metrô. "Magavilha!", pensei. Depois disso me separei deles. Poderiam chamar a polícia porque eu os seguia.
Lá fui eu pra máquina de passagens do metrô. Escolhi tudo como havia planejado, um ticket pra três dias. Mas na hora de pagar não aceitava o meu cartão. Tentei algumas outras vezes e nada. "Shit", disse em inglês. Foi então que vi um guichê de vendas. Comprei e analisei o mapa do metrô. Precisava descer em Slussen, na ilha de Södermalm, duas estações ao sul.
Quando cheguei ali, fui em direção ao rio. Na verdade não é exatamente um rio, mas um estuário em delta no qual o lago Mälaren se encontra com o mar Báltico. Estocolmo é formada por 14 ilhas e é rodeada de água. Mas àquela hora eu não podia ver a beleza da cidade. Era noite. Eu estava cansado. Eu queria ir no banheiro. Eu carregava duas mochilas pesadas. E eu estava aparentemente perdido.
Segui meus instintos e descia uma escada quando me apareceu uma loira. Sem saber o que dizer, perguntei se ela sabia onde ficava o barco. Não, não sabia. Segui adiante, e vi que o primeiro barco era algo como um restaurante-bar-pub-discoteca. À medida que eu me aproximava, o segurança me olhava mais perplexo. Perguntei onde ficava o meu barco, e ele disse que dois barcos adiante eu iria encontrá-lo. Meraviglia.
Entrei e já percebi que tudo era pequeno e estreito. "Tenho que cuidar pra não bater a..." foi o que pensei, antes de bater a cabeça. A primeira de várias vezes. Cheguei na recepção e a loira me disse "Hey!". Estranho. Já nos conhecemos? Toda essa familiaridade... respondi "Hey!". (Somente mais tarde fui descobrir que o correto é Hej e não Hey, e que isso significa Oi, Olá, e não uma hipotética intimidade que os mais ingênuos poderiam pensar).
A cada pergunta que eu fazia, a moça respondia "Absolutely!", com um largo sorriso. Ela gosta dessa palavra, pensei. Nos dias seguintes percebi que todas as suecas são assim simpáticas e sorridentes, e tem um fetiche pela palavra "absolutely". Fui pro meu compartimento, tomando todo o cuidado pra não bater a cabeça enquanto subia as escadas, no pequeno barco chamado Gustaf af Klint. Que até agora não faço a menor idéia se tem a ver com o pintor austríaco Gustav Klimt. Será?
"Absolutely!"
Era um barco transformado em albergue, e cada compartimento era cheio de beliches. Quando entrei tinha um grupo de holandeses saindo pra balada. Preferi não falar sobre futebol com eles. Malditos. O quarto não possuía outra ventilação a não ser a porta. Era quente pacas.
Desci ao convés onde fica um bar e se pode admirar o incrível cenário noturno iluminado. Pedi uma öl pela primeira vez. Öl em sueco é cerveja. Boa. Na dúvida sobre o que comer, pedi uma pizza. Sair da Itália pra comer pizza na Suécia. Acho que tô ficando doido. "Absolutely!"
O mais estranho é o balanço do barco pra lá e pra cá. Se eu não passar mal, já valeu. Relaxei um pouco, enquanto a suave brisa massageava minha careca. "A vida é boa", pensei. "Devo massagear minha careca com mais fequência". E fui dormir.
E no meio da madrugada, ouvi o ronco, que em um primeiro momento pensei que fosse o barco partindo, em uma viagem maluca ao redor do mundo. Ou me sequestrando. Mas percebi que era um dos holandeses. Depois da Copa do Mundo começo a não gostar muito desse povo. Das 4 às 7 não dormi quase nada. Mas apesar de cansativo, o dia seguinte mostrar-se-ia muito interessante.
Continua no próximo post. Absolutely!
Algumas horas antes o avião de Bruxelas aterrisou em Skavsta, uma cidade a mais ou menos 2h de ônibus de Estocolmo. A paisagem no trajeto não muda: árvores, plantações e estradas. É quando a civilização começa a aparecer. Desci na estação central, perto das 21h. Beleza, cheguei em Estocolmo. E agora?
A estação central é um caos, como já me alertou antes o meu guia "Europa de trem". A primeira coisa era achar um banheiro, mas as placas indicavam lugares inexistentes. Ou passagens secretas a mim desconhecidas. Estudei bem a situação e decidi que dava pra aguentar até chegar no barco. Nessas horas a gente aprende a observar os outros turistas. Segui de longe um casal que estava no mesmo ônibus, e logo eles acharam um local com o mapa da cidade e do metrô. Peguei o meu mapa e, enquanto fingia que lia, os segui e chegamos no metrô. "Magavilha!", pensei. Depois disso me separei deles. Poderiam chamar a polícia porque eu os seguia.
Lá fui eu pra máquina de passagens do metrô. Escolhi tudo como havia planejado, um ticket pra três dias. Mas na hora de pagar não aceitava o meu cartão. Tentei algumas outras vezes e nada. "Shit", disse em inglês. Foi então que vi um guichê de vendas. Comprei e analisei o mapa do metrô. Precisava descer em Slussen, na ilha de Södermalm, duas estações ao sul.
Quando cheguei ali, fui em direção ao rio. Na verdade não é exatamente um rio, mas um estuário em delta no qual o lago Mälaren se encontra com o mar Báltico. Estocolmo é formada por 14 ilhas e é rodeada de água. Mas àquela hora eu não podia ver a beleza da cidade. Era noite. Eu estava cansado. Eu queria ir no banheiro. Eu carregava duas mochilas pesadas. E eu estava aparentemente perdido.
Segui meus instintos e descia uma escada quando me apareceu uma loira. Sem saber o que dizer, perguntei se ela sabia onde ficava o barco. Não, não sabia. Segui adiante, e vi que o primeiro barco era algo como um restaurante-bar-pub-discoteca. À medida que eu me aproximava, o segurança me olhava mais perplexo. Perguntei onde ficava o meu barco, e ele disse que dois barcos adiante eu iria encontrá-lo. Meraviglia.
Entrei e já percebi que tudo era pequeno e estreito. "Tenho que cuidar pra não bater a..." foi o que pensei, antes de bater a cabeça. A primeira de várias vezes. Cheguei na recepção e a loira me disse "Hey!". Estranho. Já nos conhecemos? Toda essa familiaridade... respondi "Hey!". (Somente mais tarde fui descobrir que o correto é Hej e não Hey, e que isso significa Oi, Olá, e não uma hipotética intimidade que os mais ingênuos poderiam pensar).
A cada pergunta que eu fazia, a moça respondia "Absolutely!", com um largo sorriso. Ela gosta dessa palavra, pensei. Nos dias seguintes percebi que todas as suecas são assim simpáticas e sorridentes, e tem um fetiche pela palavra "absolutely". Fui pro meu compartimento, tomando todo o cuidado pra não bater a cabeça enquanto subia as escadas, no pequeno barco chamado Gustaf af Klint. Que até agora não faço a menor idéia se tem a ver com o pintor austríaco Gustav Klimt. Será?
"Absolutely!"
Era um barco transformado em albergue, e cada compartimento era cheio de beliches. Quando entrei tinha um grupo de holandeses saindo pra balada. Preferi não falar sobre futebol com eles. Malditos. O quarto não possuía outra ventilação a não ser a porta. Era quente pacas.
Desci ao convés onde fica um bar e se pode admirar o incrível cenário noturno iluminado. Pedi uma öl pela primeira vez. Öl em sueco é cerveja. Boa. Na dúvida sobre o que comer, pedi uma pizza. Sair da Itália pra comer pizza na Suécia. Acho que tô ficando doido. "Absolutely!"
O mais estranho é o balanço do barco pra lá e pra cá. Se eu não passar mal, já valeu. Relaxei um pouco, enquanto a suave brisa massageava minha careca. "A vida é boa", pensei. "Devo massagear minha careca com mais fequência". E fui dormir.
E no meio da madrugada, ouvi o ronco, que em um primeiro momento pensei que fosse o barco partindo, em uma viagem maluca ao redor do mundo. Ou me sequestrando. Mas percebi que era um dos holandeses. Depois da Copa do Mundo começo a não gostar muito desse povo. Das 4 às 7 não dormi quase nada. Mas apesar de cansativo, o dia seguinte mostrar-se-ia muito interessante.
Continua no próximo post. Absolutely!
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sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Mochilão na Europa PARTE II - Les pays de la bière
Quando vi o menu com mais de 40 tipos de cerveja, fiquei abismado. Eu não estava preparado pra isso. Havia planejado a viagem em alguns pontos. Primeiro, Bruxelas, que seria passagem obrigatória pra chegar em Estocolmo. Em seguida, Copenhagen, e depois não planejei mais nada. Nas últimas semanas a idéia era ver todos os detalhes, pontos turísticos a visitar, essas coisas. Mas fui surpreendido por um freelancer pra um jornal de Londrina e por um volume sobreumano de trabalho no hotel. O que quer dizer que fui meio às cegas.
Cheguei em Charleroi, aeroporto ao sul de Bruxelas. Dali, um ônibus me levaria até o centro.Pra comprar o ticket do ônibus a única opção era uma máquina automática. Toda a Europa é feita de máquinas automáticas. Você pode comprar desde cigarros, comida, bebida, jornais, tirar fotos, até passagens e camisinha. O problema é que quando você adquire uma passagem pro dia errado, não tem opção: não temos com quem reclamar, e a solução é uma só, comprar outra passagem com o cuidado redobrado, pro dia certo. "Merde", eu disse em francês, quando descobri que tinha comprado ida e volta pro mesmo dia.
Depois do episódio, deixei a mochila grande no depósito e com a menor me dirigi à capital das loiras. Cervejas, sejamos bem claros. E da Bélgica também.
Cheguei na estação central. Vi algumas placas que mereceriam uma piada neste relato, mas sem as fotos que tirei, é impossível fazê-la. Tudo bem. Saindo da estação, uma garoa chata mas leve, fiz o primeiro giro a pé pela cidade. Prédios imponentes, igrejas com altas torres. A Bélgica é uma monarquia, o que explica um pouco tudo. Depois, no horário marcado, fui encontrar o casal que iria me hospedar. Andamos por outra parte do centro, tirei foto da fonte mais conhecida do país e seguimos diretamente a um pub muito famoso, mas que obviamente não lembro o nome, porque à epoca eu ainda supria as lacunas da memória com fotos dos locais.
E sentando-me à mesa, tive a primeira das várias lições sobre a arte da cervejaria que aprendi durante minha pitoresca viagem. O garçom traz o menu e pergunta, pra beber? "Bier", respondi em holandês. Ele deu uma risada como se dissesse, sim mas qual, cara pálida. Foi então que vi a coisa mais impressionante que uma pessoa poderia ver em um menu de um bar: mais de quarenta tipos de cerveja, todas locais. Eu não sabia por onde começar. Não fazia a menor idéia de nada, me senti um analfabeto numa linguagem que eu julgava dominar. Primeiro, a descrição das cervejas estava em francês e holandês, as principais línguas da Bélgica. Ok, de certa forma eu era analfabeto. Talvez tivesse também em inglês, mas não me lembro.
No final, não sabendo se pedia um uísque no lugar ou saía correndo, disse pro garçom, me fala um número. 32, respondeu em francês. (Neste momento pedi ajuda aos comensais para a tradução) Contei as cervejas e pedi aquela. Cada um do casal também pediu a sua, eles obviamente já iniciados na arte de escolher uma cerveja belga. Em pouco tempo, tínhamos as três cervejas na mesa. Uma estava inclinada como um champanhe, as outras duas em pé. Cada marca de cerveja tinha uma garrafa diferente, copo personalizado com nome e formato específico e era servida de uma certa maneira, tudo descrito no rótulo. Olhei boquiaberto todo o ritual. Finalmente, brindamos e bebemos. Era muito boa mesmo. Depois pedi uma outra, também boa. Fomos embora e, no caminho, compramos mais umas 5 pra beber em casa. Eu imaginava quantos copos cada bar não teria e a organização entre copos e cervejas. Perdi alguns bons minutos divagando sobre o assunto.
Chegando em casa, o cara me mostrou uma de suas aquisições: The Bible of Belgian Beers (A bíblia das cervejas belgas) ou algo assim, escrito por um expert que se chama Michael Jackson (!), um best-seller no país. Era uma edição bilíngue, em francês e inglês, contendo detalhes de provavelmente quase todas as cervejas que são produzidas no país, incluindo o tipo de copo que se usa. Lendo a tal Bíblia, descobrimos o formato do copo que se usa com aquelas que compramos e ele foi, com a maior calma, procurar na sua coleção de copos aqueles mais parecidos! Esse é profissional, pensei. E eu que pensava que ter 3 tamanhos diferentes de caneca na estante já tava bom. O cara tinha mais de vinte copos ali, dos mais variados formatos. Achou 3 parecidos e fomos degustar e conversar sobre várias coisas, quase todas elas se referiam à cerveja.
Dormi feliz.
No dia seguinte me despedi dos meus anfitriões, aluguei uma bicicleta pública* e fiz um passeio maior pela cidade, tirei várias fotos (é como uma punhalada, cada volta que me lembro) antes de voltar ao aeroporto, recuperar minha mochila e seguir até a capital das loiras e da Escandinávia. E também da Suécia.
Em Estocolmo eu dormiria em um barco. E as loiras belgas, no seu mais formoso teor alcoólico, me diziam que a viagem estava muito boa, apesar de apenas ter começado.
* Nas grandes cidades européias existem bicicletas públicas disponíveis. Na Bélgica você paga uma quantia baixa (menos de 10 euros) por um dia, com cartão. Se você não devolver a bicicleta, eles te debitam 150 euros. Já em Copenhagen basta uma moeda de 20 coroas pra poder pegar uma (menos de 5 euros). E o mais interessante é que ninguém rouba elas.
Continua no próximo post.
Cheguei em Charleroi, aeroporto ao sul de Bruxelas. Dali, um ônibus me levaria até o centro.Pra comprar o ticket do ônibus a única opção era uma máquina automática. Toda a Europa é feita de máquinas automáticas. Você pode comprar desde cigarros, comida, bebida, jornais, tirar fotos, até passagens e camisinha. O problema é que quando você adquire uma passagem pro dia errado, não tem opção: não temos com quem reclamar, e a solução é uma só, comprar outra passagem com o cuidado redobrado, pro dia certo. "Merde", eu disse em francês, quando descobri que tinha comprado ida e volta pro mesmo dia.
Depois do episódio, deixei a mochila grande no depósito e com a menor me dirigi à capital das loiras. Cervejas, sejamos bem claros. E da Bélgica também.
Grand Place |
Manneken Pis (O piá que mija), a mais famosa fonte de Bruxelas |
No final, não sabendo se pedia um uísque no lugar ou saía correndo, disse pro garçom, me fala um número. 32, respondeu em francês. (Neste momento pedi ajuda aos comensais para a tradução) Contei as cervejas e pedi aquela. Cada um do casal também pediu a sua, eles obviamente já iniciados na arte de escolher uma cerveja belga. Em pouco tempo, tínhamos as três cervejas na mesa. Uma estava inclinada como um champanhe, as outras duas em pé. Cada marca de cerveja tinha uma garrafa diferente, copo personalizado com nome e formato específico e era servida de uma certa maneira, tudo descrito no rótulo. Olhei boquiaberto todo o ritual. Finalmente, brindamos e bebemos. Era muito boa mesmo. Depois pedi uma outra, também boa. Fomos embora e, no caminho, compramos mais umas 5 pra beber em casa. Eu imaginava quantos copos cada bar não teria e a organização entre copos e cervejas. Perdi alguns bons minutos divagando sobre o assunto.
Chegando em casa, o cara me mostrou uma de suas aquisições: The Bible of Belgian Beers (A bíblia das cervejas belgas) ou algo assim, escrito por um expert que se chama Michael Jackson (!), um best-seller no país. Era uma edição bilíngue, em francês e inglês, contendo detalhes de provavelmente quase todas as cervejas que são produzidas no país, incluindo o tipo de copo que se usa. Lendo a tal Bíblia, descobrimos o formato do copo que se usa com aquelas que compramos e ele foi, com a maior calma, procurar na sua coleção de copos aqueles mais parecidos! Esse é profissional, pensei. E eu que pensava que ter 3 tamanhos diferentes de caneca na estante já tava bom. O cara tinha mais de vinte copos ali, dos mais variados formatos. Achou 3 parecidos e fomos degustar e conversar sobre várias coisas, quase todas elas se referiam à cerveja.
Dormi feliz.
No dia seguinte me despedi dos meus anfitriões, aluguei uma bicicleta pública* e fiz um passeio maior pela cidade, tirei várias fotos (é como uma punhalada, cada volta que me lembro) antes de voltar ao aeroporto, recuperar minha mochila e seguir até a capital das loiras e da Escandinávia. E também da Suécia.
Em Estocolmo eu dormiria em um barco. E as loiras belgas, no seu mais formoso teor alcoólico, me diziam que a viagem estava muito boa, apesar de apenas ter começado.
* Nas grandes cidades européias existem bicicletas públicas disponíveis. Na Bélgica você paga uma quantia baixa (menos de 10 euros) por um dia, com cartão. Se você não devolver a bicicleta, eles te debitam 150 euros. Já em Copenhagen basta uma moeda de 20 coroas pra poder pegar uma (menos de 5 euros). E o mais interessante é que ninguém rouba elas.
Continua no próximo post.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Mochilão na Europa PARTE I - Perdido no meio do nada
Algumas fotografias dos Alpes, foram suas últimas visões. Depois, fechou os olhos para sempre e ninguém mais a viu. Tinha sido uma ótima companhia nessa viagem, embora sempre calada. Possuía um olhar curioso e uma memória muito boa, capaz de recordar quase imediatamente os principais pontos turísticos que visitamos juntos. Nos separamos no caminho para a Suíça. Os últimos dias tinham sido muito cansativos, e sinto-me um pouco culpado por tudo o que aconteceu.
Lembro-me que no último dia em Praga saí à noite sem ela, e voltei muito tarde, bêbado, nem a olhei direito antes de me jogar na cama. No dia seguinte precisávamos ir cedo pegar o trem pra Munique, de onde algumas horas mais tarde, entraríamos em outro para Salzburg na Áustria e depois de um dia inteiro viajando de ressaca, poderíamos enfim descansar em um trem noturno com camas, que no final nos deixaria em Zurique, a apenas uma hora de Berna, a capital da Suíça, último destino antes de voltar à Itália.
Tudo parecia simples e tranquilo, como foi toda a viagem até ali. À meia-noite e quinze o trem deveria parar em Salzburg. Nesse horário ele parou, e descemos. Fui diretamente procurar o trem noturno, mas não existia. Não existia porque ali não era Salzburg, era Freilassing, uma cidadezinha no meio do nada. Quando me dei conta disso, o trem já se movia e a única coisa que pude dizer foi "Scheisse!", que em alemão quer dizer merda. Ela permaneceu imóvel. No cartaz com o horário dizia que em meia-hora partiria outro trem e com muita sorte, se o trem em Salzburg atrasasse, poderíamos ainda fazer a conexão. Esperamos.
Passaram-se 40 minutos e nada. Um pouco nervoso, fui confirmar no cartaz se eu tinha visto o horário correto, foi então que descobri que este trem passava somente aos sábados. "Merda!" gritei com o meu já deteriorado português. O silêncio dela, nesse momento pareceu-me de desdenho, reprovação pelos últimos acontecimentos, mas preferi não comentar, não resolveria nada naquele momento delicado.
Depois de 14 dias de tranquilidade na viagem, foi a primeira vez que me senti sem saber o que fazer, perdido no meio da Europa. O próximo trem pra Salzburg seria depois das 5 da manhã. Dormir na estação era uma opção, mas destruído como eu estava, precisava de uma cama confortável. Fomos então ao redor da estação à procura de um hotel. Depois de quase uma hora, encontrei dois, um ao lado do outro, mas estavam completos. Ou pelo menos foi o que me disseram. Desisto, vamos pra estação e dormimos lá, pensei.
Chegando ali, com minhas duas mochilas que pareciam querer me esmagar sob seus pesos, vejo de relance um táxi. Era só o que faltava, alucinações, pensei. Mas não, era um táxi, e este táxi nos levou à Salzburg. Embora fosse muito tarde para pegar o nosso trem noturno, Salzburg é uma estação grande e dali seria mais fácil - como realmente foi - achar um trem que fosse em direção a Zurique. Às 4h30 sairia um para Innsbruck, ainda na Áustria, que meu mapa indicava ser a alternativa mais lógica para alcançar a famosa cidade suíça.
Sem poder dormir muito, chegamos a Innsbruck pelas 8h. Dali foi fácil: até Zurique teríamos que mudar de trem somente três vezes e, com muita sorte e nenhum atraso, a estação de Zurique seria pisada por meus pés às 13h23, de onde eu pegaria o primeiro trem pra Berna, onde efetivamente cheguei, pelas 16h. Sem dormir quase nada em dois dias.
Foi nesse caminho de pequenos cochilos, que mais me cansavam que repousavam, trocas de trens e fotos dos Alpes que ela teve sua última visão. Um pico altíssimo, circundado por um grande lago. Muito bonito. Nesse vai e vem, dois dias sem dormir, eu a perdi. Ou a roubaram. E todas as fotos que tirei com ela de uma hora pra outra também se escafederam. "Mierda!" disse em espanhol, quando descobri o acontecido, já chegando em Berna. Mas eu estava muito cansado pra me preocupar com aquilo. Queria somente dormir.
Enquanto eu caía no sono, lembrei da nossa jornada, com ela, minha nova câmera fotográfica, que eu havia comprado exclusivamente para a viagem, e que agora me havia abandonado pra sempre. Dormindo, revivi os nossos melhores momentos, 14 dias antes, quando pegamos o avião em Pisa e aterrissamos na Bélgica, a terra das cervejas.
Continua no próximo post.
Lembro-me que no último dia em Praga saí à noite sem ela, e voltei muito tarde, bêbado, nem a olhei direito antes de me jogar na cama. No dia seguinte precisávamos ir cedo pegar o trem pra Munique, de onde algumas horas mais tarde, entraríamos em outro para Salzburg na Áustria e depois de um dia inteiro viajando de ressaca, poderíamos enfim descansar em um trem noturno com camas, que no final nos deixaria em Zurique, a apenas uma hora de Berna, a capital da Suíça, último destino antes de voltar à Itália.
Tudo parecia simples e tranquilo, como foi toda a viagem até ali. À meia-noite e quinze o trem deveria parar em Salzburg. Nesse horário ele parou, e descemos. Fui diretamente procurar o trem noturno, mas não existia. Não existia porque ali não era Salzburg, era Freilassing, uma cidadezinha no meio do nada. Quando me dei conta disso, o trem já se movia e a única coisa que pude dizer foi "Scheisse!", que em alemão quer dizer merda. Ela permaneceu imóvel. No cartaz com o horário dizia que em meia-hora partiria outro trem e com muita sorte, se o trem em Salzburg atrasasse, poderíamos ainda fazer a conexão. Esperamos.
Passaram-se 40 minutos e nada. Um pouco nervoso, fui confirmar no cartaz se eu tinha visto o horário correto, foi então que descobri que este trem passava somente aos sábados. "Merda!" gritei com o meu já deteriorado português. O silêncio dela, nesse momento pareceu-me de desdenho, reprovação pelos últimos acontecimentos, mas preferi não comentar, não resolveria nada naquele momento delicado.
Depois de 14 dias de tranquilidade na viagem, foi a primeira vez que me senti sem saber o que fazer, perdido no meio da Europa. O próximo trem pra Salzburg seria depois das 5 da manhã. Dormir na estação era uma opção, mas destruído como eu estava, precisava de uma cama confortável. Fomos então ao redor da estação à procura de um hotel. Depois de quase uma hora, encontrei dois, um ao lado do outro, mas estavam completos. Ou pelo menos foi o que me disseram. Desisto, vamos pra estação e dormimos lá, pensei.
Chegando ali, com minhas duas mochilas que pareciam querer me esmagar sob seus pesos, vejo de relance um táxi. Era só o que faltava, alucinações, pensei. Mas não, era um táxi, e este táxi nos levou à Salzburg. Embora fosse muito tarde para pegar o nosso trem noturno, Salzburg é uma estação grande e dali seria mais fácil - como realmente foi - achar um trem que fosse em direção a Zurique. Às 4h30 sairia um para Innsbruck, ainda na Áustria, que meu mapa indicava ser a alternativa mais lógica para alcançar a famosa cidade suíça.
Sem poder dormir muito, chegamos a Innsbruck pelas 8h. Dali foi fácil: até Zurique teríamos que mudar de trem somente três vezes e, com muita sorte e nenhum atraso, a estação de Zurique seria pisada por meus pés às 13h23, de onde eu pegaria o primeiro trem pra Berna, onde efetivamente cheguei, pelas 16h. Sem dormir quase nada em dois dias.
Foi nesse caminho de pequenos cochilos, que mais me cansavam que repousavam, trocas de trens e fotos dos Alpes que ela teve sua última visão. Um pico altíssimo, circundado por um grande lago. Muito bonito. Nesse vai e vem, dois dias sem dormir, eu a perdi. Ou a roubaram. E todas as fotos que tirei com ela de uma hora pra outra também se escafederam. "Mierda!" disse em espanhol, quando descobri o acontecido, já chegando em Berna. Mas eu estava muito cansado pra me preocupar com aquilo. Queria somente dormir.
Enquanto eu caía no sono, lembrei da nossa jornada, com ela, minha nova câmera fotográfica, que eu havia comprado exclusivamente para a viagem, e que agora me havia abandonado pra sempre. Dormindo, revivi os nossos melhores momentos, 14 dias antes, quando pegamos o avião em Pisa e aterrissamos na Bélgica, a terra das cervejas.
Continua no próximo post.
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quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Mochilão na Europa - preâmbulo
Disse uma vez o escritor americano Charles Bukowski: "Minha alma embriagada de cerveja é mais triste que todas as árvores de natal mortas do mundo". Eu porém discordo. A minha alma embriagada de cerveja é feliz, ah como é feliz.
Mas antes que alguém se assuste, essa frase foi escolhida porque representa um bom preâmbulo, e quando citamos outros escritores os nossos textos sempre ficam com uma boa aparência. Mas falemos do que é para ser falado: sobrevivi. Sim, foi uma bela e cansativa viagem, mas com muitos ensinamentos, que levarei para o resto da vida. Por exemplo, aprendi que a palavra “tack” quer dizer Obrigado em sueco e dinamarquês. Da mesma forma, “Öl” e “Øl” significam Cerveja, respectivamente nas mesmas línguas. Por isso, depois de comprar uma Öl, diga tack.
O que eu queria com esta viagem?, perguntaria algum fantasma distraído. Respondo: relaxar, descansar do estresse, conhecer novos países, observar novas culturas, saborear novas gostosuras, enfim, exercitar os cinco sentidos em outras paragens. Mas aos poucos vocês verão, de acordo com o desenvolvimento do meu relato, a razão da cerveja merecer estar nas primeiras linhas.
É inegável que quanto mais o final da viagem se aproximava, maior era a vontade de largar tudo pra viver em Praga ou Estocolmo, mas algumas coisas me fizeram pensar melhor e voltar a Pisa pra terminar o meu master em tradução:
1- o inverno nessas cidades com temperaturas ao redor dos 20 negativos;
2- eu ia demorar muito tempo pra aprender tcheco ou sueco, e até lá viveria desempregado, que no inverno significaria morrer de fome e de frio.
3- mesmo a escravidão pode ter seu lado bom, se exercida em temperaturas relativamente agradáveis. (N.do autor: escravidão, nesse contexto, significa estágio obrigatório não remunerado sem tempo pra ter um segundo emprego pra ganhar dinheiro).
No final, já conformado em voltar à vila Pisa, aconteceu o inesperado, que provavelmente não será perdoado por alguns fantasmas: perdi a máquina fotográfica (ou me roubaram), com as quase 500 fotos de todos os lugares que passei nesses 18 dias de viagem. As cervejas de Bruxelas, as ilhas de Estocolmo, as loiras de Copenhagen, as torres de Maastricht, as peladas em Berlim, o Castelo e as aventuras em Praga. Tudo desaparecido, cancelado, anulado, apagado, varrido da face da terra.
Mas tudo bem, a vida segue seu rumo, e esse relato, esperemos, sirva alguma coisa para o bem estar da humanidade. Com alguma (ou muita) sorte, encontrarei minha máquina nos achados e perdidos da companhia ferroviária.
No meio tempo, ilustrarei com fotos do google essa coisa doida que é viajar de trem pela europa, com uma mochila nas costas e nada na cabeça. A não ser o boné pra não queimar a careca.
Até a próxima,
Zaratustra
O velho Buk tomando uma |
Mas antes que alguém se assuste, essa frase foi escolhida porque representa um bom preâmbulo, e quando citamos outros escritores os nossos textos sempre ficam com uma boa aparência. Mas falemos do que é para ser falado: sobrevivi. Sim, foi uma bela e cansativa viagem, mas com muitos ensinamentos, que levarei para o resto da vida. Por exemplo, aprendi que a palavra “tack” quer dizer Obrigado em sueco e dinamarquês. Da mesma forma, “Öl” e “Øl” significam Cerveja, respectivamente nas mesmas línguas. Por isso, depois de comprar uma Öl, diga tack.
O que eu queria com esta viagem?, perguntaria algum fantasma distraído. Respondo: relaxar, descansar do estresse, conhecer novos países, observar novas culturas, saborear novas gostosuras, enfim, exercitar os cinco sentidos em outras paragens. Mas aos poucos vocês verão, de acordo com o desenvolvimento do meu relato, a razão da cerveja merecer estar nas primeiras linhas.
É inegável que quanto mais o final da viagem se aproximava, maior era a vontade de largar tudo pra viver em Praga ou Estocolmo, mas algumas coisas me fizeram pensar melhor e voltar a Pisa pra terminar o meu master em tradução:
1- o inverno nessas cidades com temperaturas ao redor dos 20 negativos;
2- eu ia demorar muito tempo pra aprender tcheco ou sueco, e até lá viveria desempregado, que no inverno significaria morrer de fome e de frio.
3- mesmo a escravidão pode ter seu lado bom, se exercida em temperaturas relativamente agradáveis. (N.do autor: escravidão, nesse contexto, significa estágio obrigatório não remunerado sem tempo pra ter um segundo emprego pra ganhar dinheiro).
No final, já conformado em voltar à vila Pisa, aconteceu o inesperado, que provavelmente não será perdoado por alguns fantasmas: perdi a máquina fotográfica (ou me roubaram), com as quase 500 fotos de todos os lugares que passei nesses 18 dias de viagem. As cervejas de Bruxelas, as ilhas de Estocolmo, as loiras de Copenhagen, as torres de Maastricht, as peladas em Berlim, o Castelo e as aventuras em Praga. Tudo desaparecido, cancelado, anulado, apagado, varrido da face da terra.
Estocolmo, vista do alto |
Mas tudo bem, a vida segue seu rumo, e esse relato, esperemos, sirva alguma coisa para o bem estar da humanidade. Com alguma (ou muita) sorte, encontrarei minha máquina nos achados e perdidos da companhia ferroviária.
No meio tempo, ilustrarei com fotos do google essa coisa doida que é viajar de trem pela europa, com uma mochila nas costas e nada na cabeça. A não ser o boné pra não queimar a careca.
Até a próxima,
Zaratustra
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