Saki (Tradução minha)
Foi na segunda década do Séc. XX, depois que a Grande Peste devastara a Inglaterra, que Hermann o Irascível, também apelidado de “o Sábio”, sentou-se no trono britânico. A doença mortal varrera toda a família real até a terceira e quarta gerações e foi assim que Hermann XIV de Saxe-Drachsen-Wachtelstein, o trigésimo na linha de sucessão, viu-se um dia soberano dos domínios britânicos dentro e além-mar. Era uma dessas coisas inesperadas que acontecem na política, e ele surpreendeu com grande eficiência. Em muitos aspectos, era o monarca mais progressista a sentar em um trono importante; quando as pessoas julgavam entender o que ele pensava, ainda havia muito a compreender. Até os ministros, progressistas que eram por tradição, achavam difícil manter o passo com suas sugestões legislativas.
“O fato é que,” admitiu o primeiro-ministro, “estamos sendo constrangidos por essas criaturas do Voto para as mulheres; elas perturbam nossos encontros pelo país e estão tentando transformar Downing Street em um tipo de piquenique político.”
“Temos que lidar com elas” disse Hermann.
“Lidar,” disse o primeiro-ministro; “exato, somente isso. Mas como?”
“Redigirei um projeto” disse o Rei, sentando-se à máquina de escrever, “decretando que as mulheres poderão votar em todas as eleições futuras. Poderão, veja bem. Ou, sendo mais explícito, deverão. Como antes, o voto continua facultativo aos eleitores homens. Mas todas as mulheres entre vinte e um e setenta anos serão obrigadas a votar, não somente para as eleições parlamentares, conselhos contadinos, quadros distritais, conselhos paroquiais e cargos municipais, mas também para juízes, bedéis, sacristães, curadores de museus, autoridades sanitárias, intérpretes dos tribunais de polícia, instrutores de natação, empreiteiros, regentes de corais, gerentes de mercados, professores de arte, coroinhas e outros funcionários locais cujos nomes adicionarei à medida que me vierem em mente. Todas essas funções tornar-se-ão eletivas e o não comparecimento às urnas em qualquer eleição na sua respectiva área residencial, implicará à eleitora uma multa de 10 libras. Abstenções não justificadas com um apropriado atestado médico não serão aceitas como desculpa. Passe este projeto pelas duas casas do Parlamento e traga-me para assinatura depois de amanhã.”
Desde o início o voto obrigatório feminino suscitou pouco ou nenhum entusiasmo, mesmo nos círculos que exigiam com mais fervor esse direito. A maioria das mulheres do país era indiferente ou hostil à agitação pelo voto, e as mais fanáticas sufragistas começaram a questionar-se por que achavam tão atraente a perspectiva de colocar cédulas dentro de uma caixa. Nos distritos rurais a tarefa de executar os preparativos do novo ato foi muito cansativa. Nas vilas e nas cidades tornou-se um pesadelo. As eleições pareciam não acabar. Lavadeiras e costureiras saíam correndo do trabalho para votar, frequentemente em um candidato do qual nunca ouviram falar antes, escolhido por puro acaso. Balconistas e garçonetes acordavam muito cedo pra votar antes de entrarem em seus turnos. As damas da sociedade tiveram seus compromissos cancelados e desordenados pela necessidade contínua de comparecer aos colégios eleitorais, e as festas de fim-de-semana, como as férias de verão, transformaram-se gradualmente em um luxo masculino. Quanto a Cairo e à Riviera, eram acessíveis somente aos inválidos ou às pessoas de grandíssima riqueza, porque o acúmulo de multas de dez libras durante uma viagem prolongada era uma contingência à qual até mesmo os ricos dificilmente se arriscariam.
Não era de se maravilhar que a agitação feminina contra o voto tornara-se um movimento respeitável. As participantes da liga Não ao voto para as mulheres chegavam quase a um milhão; as cores do movimento, verde-limão e vermelho-holandês antigo, eram ostentadas por toda parte e o grito de guerra “Nós não queremos votar” caiu nas graças do povo. Como o governo não mostrou-se impressionado com a persuasão pacífica, métodos mais violentos tornaram-se moda. Encontros eram perturbados, ministros atacados, policiais mordidos e a ração popular, rejeitada. E às vésperas do aniversário de Trafalgar, as mulheres se colocaram em fila por toda a extensão da coluna de Nelson, fazendo com que as costumeiras decorações florais fossem abandonas. Mas o governo estava obstinadamente convicto de que as mulheres deveriam votar.
Em seguida, como último recurso, alguma mulher soube usar de um expediente que estranhamente não havia sido pensado antes. O Grande Choro foi organizado. Turnos de mulheres, dez mil por vez, choravam continuamente nos espaços públicos da metrópole. Choravam nas estações ferroviárias, metrôs e ônibus, na National Gallery, nas lojas The Army and Navy, no parque St. James, em concertos, no Prince’s e na Burlington Arcade. O sucesso até então ininterrupto da brilhante comédia farsesca Henry’s Rabbit foi ameaçado pela presença lúgubre de mulheres chorando na primeira fila, nos balcões e nas galerias, e um dos casos mais notórios de divórcio julgado nos últimos anos foi ofuscado pelo comportamento lacrimoso de uma parte da audiência.
“O que faremos?” perguntou o primeiro ministro, cuja cozinheira chorara sobre todas as louças do café da manhã e a babá, em pranto infeliz e silencioso, saiu a passear com as crianças no parque.
“Tudo tem seu tempo” disse o Rei, “e é tempo de ceder. Passe esta medida pelas duas Casas destituindo o direito ao voto das mulheres e traga-a para mim depois de amanhã, para consentimento real.”
Quando o ministro retirou-se, Hermann o Irascível, também apelidado de “o Sábio”, gargalhou intensamente.
“Há outras maneiras de matar um gato além de empanturrá-lo com creme,” sentenciou, “mas não estou tão certo se não é esta a melhor maneira”.
Hector Hugh Munro, conhecido como Saki (18/12/1870 a 13/11/1916), nascido na antiga Birmânia à época ainda parte do império britânico, atual Mianmar