domingo, 20 de junho de 2010

Last in translation - 1

Não sei exatamente qual a minha classificação, mas me sinto desmoralizado. Desde o fim do ano passado estava me debatendo pra traduzir dois contos, com o objetivo final de participar de um concurso para novos tradutores. Resumindo, não estou entre os 10 classificados à fase final, nem do conto em inglês, nem daquele em italiano. Mas tudo bem, como já diria uma música dos Engenheiros, "eu não vim até aqui pra desistir agora". Devo reconhecer que após dois anos aqui na Itália, meu português não é mais o mesmo, mas sei lá, o problema é ficar três meses me matando por um zero de reconhecimento. 

Relendo o texto para publicá-lo aqui no blog faria várias outras mudanças, e me parece que este primeiro texto não flui assim naturalmente, já do segundo gostei mais do resultado, mas enfim...depois do desabafo, deixo o julgamento das traduções a vocês, meus fantasmas. Primeiro, publico o texto italiano. Na próxima semana coloco aqui aquele traduzido do inglês.


UMA GOTA 
Dino Buzzati (Tradução minha)

Uma gota d'água sobe os degraus da escada. Consegue escutá-la? Deitado na cama no escuro, percebo o seu misterioso caminhar. Como é que ela faz? Saltita? Tic, tic, ouve-se intermitentemente. Em seguida a gota para e talvez pelo resto da noite não dê mais notícias. Todavia sobe. Galga degrau por degrau, ao contrário das outras gotas que caem perpendicularmente, em obediência à lei da gravidade, e ao final fazem um pequeno estalo, bem conhecido em todo o mundo. Esta não: segue devagar ao longo da escadaria letra E deste interminável edifício.

Não fomos nós, adultos refinados e muito sensíveis, a identificá-la. Mas uma doméstica do primeiro andar, pequena esquálida e ignorante criatura. Notara uma noite, muito tarde, quando todos já dormiam. Pouco depois não resistiu, levantou-se e correu para acordar a patroa. "Senhora" sussurrou "senhora!" "O que é?" disse a patroa, despertando "O que aconteceu?" "É uma gota, senhora, uma gota que tá subindo as escadas!" "Como?" perguntou a outra, confusa. "Uma gota que sobe os degraus!" repetiu a doméstica, e quase começou a chorar. "Essa agora" praguejou a patroa. "Tá maluca? Vai dormir, marcsch! Você bebeu, é isso, sua sem-vergonha. É esse o tanto de vinho que falta na garrafa de manhã! Sua imunda, se você pensa que..." Mas a mocinha fugira, devidamente escondida debaixo das cobertas.

"Quem sabe o que se passa na cabeça daquela estúpida" pensou depois a patroa, em silêncio, tendo já perdido o sono. E escutando involuntariamente a noite que dominava o mundo, ouviu também o curioso ruído. Uma gota que subia as escadas, realmente.

Metódica que é, por um momento a senhora pensou em sair para olhar. Mas o que poderia ver à miserável luz das lâmpadas escurecidas que pendem do corrimão? Como localizar uma gota em plena noite, com aquele frio, pelos lances tenebrosos?

Nos dias seguintes, de família em família, o boato espalhou-se lentamente e agora todos no prédio já estão sabendo, mesmo se preferem não comentar, como se fosse uma coisa boba da qual talvez envergonhar-se. Desde então, muitos ouvidos estão atentos, no escuro, quando cai a noite para oprimir o gênero humano. E há quem pense em uma coisa, quem pense em outra.

Certas noites a gota silencia. Em outras, ao contrário, por longas horas não faz nada além de deslocar-se, sobe, sobe, como se não fosse parar. Os corações se aceleram no momento em que o passo suave parece tocar a porta. Ainda bem, não se deteve. Lá vai ela, distanciando-se, tic, tic, em direção ao andar de cima.

Com certeza, sei que os inquilinos do mezanino a esse ponto pensam estar seguros. A gota – eles creem – já passou em frente à sua porta, não poderá mais perturbá-los; Outros, como eu que estou no sexto andar, têm agora motivos de inquietude, tanto quanto eles. Mas quem lhes disse que nos próximos dias a gota irá retomar o caminho do ponto que atingiu a última vez, ou melhor, não irá recomeçar lá de baixo, iniciando a viagem dos primeiros degraus, sempre úmidos e escuros de abandonada imundície? Não, nem mesmo eles podem se considerar seguros.

De manhã, saindo de casa, olha-se atentamente se por acaso ficou algum rastro. Nada, como era previsível, nem a menor marca. De manhã, no entanto, quem leva essa história a sério? Ao sol da manhã o homem é forte, é um leão, mesmo se poucas horas antes hesitava.

Ou aqueles do mezanino teriam razão? No entanto nós, que antes não percebíamos nada e nos considerávamos imunes, há algumas noites também ouvimos qualquer coisa. A gota está longe ainda, é verdade. Chega a nós somente um tique-taque levíssimo, triste eco através das paredes. Todavia é sinal de que está subindo e cada vez mais perto.

Mesmo dormindo em um quarto interno, longe da escadaria, não adianta. É melhor perceber o rumor do que passar as noites em dúvida se a gota está lá ou não. Quem mora naqueles quartos isolados às vezes não resiste, espreita em silêncio nos corredores e permanece à entrada no frio, atrás da porta, com a respiração suspensa, escutando. Se a ouve, não ousa distanciar-se, escravo de medos indecifráveis.  Pior ainda se está tudo tranquilo: neste caso como descartar que, uma vez de volta à cama, não comecem os rumores?

Que vida estranha, afinal. Não poder reclamar, nem tomar providências, nem achar uma explicação que acalme os ânimos. E não poder nem mesmo persuadir os outros, dos outros edifícios, que não sabem de nada. Mas que coisa seria então esta gota: - perguntam com exasperante boa fé - um camundongo, talvez? Um sapo vindo do subsolo? Na verdade, não.

E então - insistem - seria por acaso uma alegoria? Querer-se-ia, por assim dizer, simbolizar a morte? ou algum perigo? ou os anos que passam? Nada disso, senhores: é simplesmente uma gota, só que ela sobe as escadas.

Ou mais sutilmente pretende-se representar os sonhos e as quimeras? As terras almejadas e distantes onde se presume que esteja a felicidade? Enfim, alguma coisa de poético? Não, absolutamente.

Ou então os lugares mais distantes ainda, nos confins do mundo, os quais nunca alcançaremos? Mas não, digo a vocês, não é uma gozação, não existem duplos sentidos, trata-se - ai de mim - mesmo de uma gota d’água e, pelo que se presume, à noite sobe as escadas. Tic, tic, misteriosamente, degrau por degrau. E por isso se tem medo.




Dino Buzzati Traverso (16/10/1906 a 28/01/1972) escritor italiano, segundo alguns mais conhecido no exterior que no próprio país

Um comentário:

  1. porra alemão, a vida é dura. mas tu não pode usa esse texto pra outras paradas, tipow, concursos e tal? a gente leva pau mas um dia a gente chega lá. nós aqui ninguém é troxa mano! auhauhauha. abraço aeh!!

    ResponderExcluir

Falhe conosco: