quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Sobre coelhos e cajados

Nada que suponho conhecer parece-me verdade. O diálogo:
Hot guns and cold cold night

O diálogo. Sobretudo agora, quando Débora ao longe, em minhas memórias, acenou-me sua tristeza. Débora foi a primeira pessoa a quem amei realmente. Sempre tento colocá-la em meus contos, mas nunca parece natural o suficiente o nome Débora. Talvez porque a história não esteja sendo contada de maneira natural, talvez isso. O diálogo:

“Bom dia.”

Sempre fico em dúvida de como começar um diálogo, se com aspas ou travessão. Saramago inovou, seus diálogos separam-se por vírgulas, num mesmo parágrafo:

A manhã estava clara quando Joaquim disse, Bons dias Maria, no que ela lhe respondeu, Bons dias, Manoel.

Rubem Fonseca não usa exclamação em suas frases. Nunca. Mesmo as mais desesperadas, aos berros, não possuem o alarmante “!”. Concordo com ele. Voltemos ao diálogo:

Lilith, pelos campos verdejantes, saltitava e cantarolava sua música preferida, chacoalhando a longa cabeleira negra, assoviando, agitando os braços. “Six six six, the number of the beast”. Nada mais puro que um heavy metal.

Kerouac carregava seus livros com adjetivos mil, um atrás do outro, sem muita ordem. Há uma linearidade, contudo, que prende o leitor, pois seguimos os caminhos do pensamento, sem esbarrarmos em formalidades demasiadas. Talvez uma forma de entrarmos na cabeça do autor. A pontuação formal, se considerarmos sob certo viés “conservador” - não arrumei melhor adjetivo - molda o leitor à história. Ou talvez eu esteja divagando. Engraçado eu ter falado em diálogo, muito embora, até agora, necas de pitibiribas. Minto. Olhá lá ele:

- Te conheço de algum lugar, garota.
- Não sei donde possa conhecer-me. Eu não existo.

Primeiro clichê: surpreender o leitor no início do diálogo. Logo de cara ele percebe que se passa algo unnatural, não existe. A partir daí começa a supor teorias, será um fantasma, a consciência, ou, como em Ítalo Calvino, simplesmente alguém que não existe mas, ainda assim, convive naturalmente com as outras pessoas. Cabe ao autor manter a emoção dessa novidade até o final, criando sempre, e cada vez mais, situações inusitadas. Primeiro, por si só, criará empatia com o leitor, afinal, quem não gosta de dar risadas? Segundo, situações desconexas não necessitam ter tanta semelhança com a realidade, permite mais liberdade. Mais fácil para o autor e entretém o leitor. Dois Paulos Coelhos numa cajadada só. Enfim:

- ... Eu não existo.
- Sei, conta outra.
- Assim como é difícil você acreditar, é difícil para eu provar. Não posso manifestar-me, não posso mover objetos. Sabe lá como, de alguma forma, ainda consigo manter um diálogo, mas isso, como você mesmo objetou, não é prova suficiente.

Nessa hora, Saramago interviria na narração para supor que o leitor está duvidando da veracidade da trama, procurando erros formais e lógicos, mesmo num texto ilógico, e justificando-os. Borges, ao contrário, no conto em que ele se encontra consigo mesmo, põe em dúvida a veracidade da história através do diálogo dos dois Borges de maneira tal que, no final, sabe lá como, ficamos ainda em dúvida se não haveria acontecido o tal encontro. É um tipo de descrição e de diálogo incrivelmente natural. O mesmo acontece com García Márquez, porém de uma forma mais bucólica.


Outro dia continuo essa brincadeira de análise literária.

4 comentários:

  1. Unauthorized quotation! See you in jail!

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  2. gostei!gostei!gostei!

    e o Scliar???
    e Lispector?


    continua.


    beijo

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  3. Scliar comecei a ler. Lispector to lendo ainda, já que é uma coletânea de trechos que não necessitam de uma leitura contínua.

    Ambos ótimos

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  4. O mais legal é que Joaquim falou com Maria que respondeu a Manoel e ninguém notou. Nem eu. Mas tem explicação: são portugueses, ó pá.

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