quinta-feira, 31 de março de 2011
terça-feira, 22 de março de 2011
O abacateiro eterno e outras histórias
Vendo as estatísticas deste blog do último ano, descobri várias coisas interessantes: 2.766 pessoas diversas visitaram meu blog, atingindo a média de 7,58 pessoas por dia. Cada uma ficou, em média, 2 minutos e meio neste humilde espaço. Nada mal. Destes visitantes, a grande maioria é do Brasil (2.016 pessoas), seguido pela Itália (517), Portugal (134), Alemanha (16) e Estados Unidos (12). Mas também tive visitas de lugares inóspitos como Marrocos, Arábia Saudita e República Tcheca (uma cada).
Dos meus posts, o mais lido foi escrito anos atrás: trata-se do Exame psiquiátrico pré-admissional (publicado aqui em 2007, mas escrito em 2003 pro meu falecido primeiro blog) e é fácil deduzir que o povo chegou aqui porque, provavelmente, também passaria por tal tormento. Em segundo lugar, esse confesso que não faço a menor idéia do porquê, está o post O meu abacateiro, no qual falo do Aleph. Do original, de Jorge Luis Borges, não do plágio de Paulo Coelho. O terceiro lugar foi para uma paródia meio sem-graça da lenda do Minotauro, que chama-se O corno de Creta. Com execeção do primeiro, os outros dois originaram-se da leitura de livros do Borges. Uma estranha coincidência, porque justamente agora estou com outro em mãos.
Borges |
Graças a isso e a várias citações e indicações de leituras feitas pelo próprio Borges, desemboquei em outros escritores e filósofos que eu pouco conhecia, em áreas que eu jamais teria imaginado: física, química, matemática aplicada à filosofia, metafísica, entre outras piras.
Um desses é o filósofo inglês Bertrand Russell. Aliás, talvez seja um modo de remediar minha aversão inconsciente ao mundo anglófono. Pois bem, decidi começar me embrenhando na obra de Russell, e tive uma agradável surpresa. Ainda estou longe de chegar na parte em que ele fala de filosofia matemática, que é o que interessa falando de eternidade, mas lendo pequenos excertos que encontrei na internet já me iluminaram.
Russell |
Sua obra fala, principalmente, de lógica, religião, política e moral. Conheceu e foi amigo de grandes intelectuais nos quase cem anos em que viveu (1872-1970), de Einstein a Sartre, pra citar só dois.
Russell parece interessante. Mas é somente um pequeno passo rumo à eternidade. Se eu conseguir manter meu entusiasmo, vou ler também Aristóteles, Platão, Santo Agostinho, o físico Arthur Stanley Eddington (tradutor da obra de Einstein para o inglês e grande propagador da Teoria da Relatividade), provavelmente quase toda a obra de Borges e de seu companheiro Adolfo Bioy Casares, além de ter de ler e reler várias coisas do Nietzsche (saúde!), e o que mais eu achar no caminho. Tudo isso para, no final, poder pôr em prática a minha Teoria da Eternidade, que se encontra em fase de incubação.
Entre as minhas peregrinações por vários sites da internet, descobri que um dos símbolos usados para representar a eternidade (e não só ela) é o Ouroboros, uma cobra ou um dragão que devora o próprio rabo.
E de repente tudo começa a fazer sentido. A capa do vinil dos Engenheiros do Hawaii, onde a cobra come o próprio rabo. E o conto sobre o abacateiro, citado lá em cima, onde minha cadela, monstra doida canina, corria atrás do próprio rabo. Eram sinais. Sinais de que estou no caminho certo.
Mas a verdade é outra. E diversa.
sexta-feira, 18 de março de 2011
Sobre dores e joelhos
o ventilador
gira
a dor
dói
no joelho
dói
na perna
enquanto o
ventilador
gira
a dor dói
na cabeça.
e ainda assim, o
ventilador gira
e dói
saber
a verdade
dói
como se eu estivesse
eternamente em férias
e sem dinheiro
dói
como ter a consciência
de saber
mas não
poder
dói
como estar ali
esperando aquele telefonema
com aquela proposta
para aquilo que você criou durante
anos
finalmente
comprarão o meu produto
ficarei rico
e o computador
pifa.
doer é muito amplo.
o joelho dói
algo não funciona,
algo não está certo.
o joelho dói
como dói o peito
num adeus
mal-feito.
o joelho dói.
mas a dor
faz parte
da melhora.
gira
a dor
dói
no joelho
dói
na perna
enquanto o
ventilador
gira
a dor dói
na cabeça.
e ainda assim, o
ventilador gira
e dói
saber
a verdade
dói
como se eu estivesse
eternamente em férias
e sem dinheiro
dói
como ter a consciência
de saber
mas não
poder
dói
como estar ali
esperando aquele telefonema
com aquela proposta
para aquilo que você criou durante
anos
finalmente
comprarão o meu produto
ficarei rico
e o computador
pifa.
doer é muito amplo.
o joelho dói
algo não funciona,
algo não está certo.
o joelho dói
como dói o peito
num adeus
mal-feito.
o joelho dói.
mas a dor
faz parte
da melhora.
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domingo, 13 de março de 2011
Mochilão na Europa PARTE VIII - Interlúdio
De Copenhague a Berlim em 2 dias (passando por Colônia e Maastricht)
Segundo o Houaiss, o substantivo masculino interlúdio possui vários significados, entre eles: mús composição instrumental com a função de separar partes musicais, litúrgicas ou cênicas; intervalo entre duas cenas; entreato ('representação entre dois atos'); lapso de tempo que interrompe provisoriamente alguma coisa. Pensando nisso - não somente nisso, pois eu ainda pensava muito na balada de ontem e, além disso, em como elaborar um texto sobre a Eternidade, confrontando minha teoria com as de Borges, Nietzsche e Santo Agostinho - enfim, digamos que eu estivesse pensando somente nisso, no interlúdio, resolvi resumir dois dias da viagem em um só post, como se separasse a minha viagem em Antes de Maastricht e Depois de Maastricht (doravante AM e DM). Pois nessa viagem, Maastricht foi o divisor de águas. Antes, a primeira etapa, o deslumbre, a inquietação, o êxtase do novo. Depois, a segunda etapa, o deslumbre, a inquietação, o êxtase do novo. De novo. Mas porque criar este hipotético marco divisório em Maastricht e não em Colônia? Isso, meus caros fantasmas, deixo para vocês especularem uma resposta.
Mas, como eu ia dizendo no último post:
Saí do museu Carlsberg e fui diretamente dormir. Acordei pelas 19h e, bem acompanhado por uma cicerone loira dinamarquesa, fui para o famoso reduto hippie alternativo de Copenhague, o famigerado Christiania. Nunca ouviu falar? Mesmo? Nem eu, pelo menos até aquele dia. Localizado dentro do bairro de Christianshavn, é um local que foi invadido umas décadas atrás e agora se auto-proclama uma comunidade alternativa independente. Quando entrei lá, Raul Seixas me disse: "viva a sociedade alternativa". Apesar de ser uma atração turística, as fotografias são proibidas, então mesmo eu perdendo minha máquina fotográfica, essas fotos eu não perdi, pelo simples fato de que não as fiz.
Após tomar umas loiras geladas fabricadas ali mesmo pelas loiras hippies, dei mais uma volta com minha loira e fui pra casa. No dia seguinte, sob uma garoa chata e insistente, visitei alguns belos locais, subi em uma torre circular e tive uma bela visão da cidade inteira que registrei em fotos, mas que de nada adiantou. Depois disso, dirigi-me para a minha grande amiga estação ferroviária, onde enrolei bastante até decidir onde ir. Poderia ficar ali mais um dia, mas com essa chuva interminável não representava uma boa opção. Analisando as opções de trens noturnos, preços, próximas paradas (Berlim e Praga, as únicas certezas que eu tinha), além de outros fatores que foram decisivos, fiquei dividido entre ir para Hamburgo ou Köln (Colônia em português). Como tinha amigos na segunda cidade, uni o útil ao agradável, e lá me fui. Já havia estado ali pouco antes de visitar a Oktoberfest de Munique em 2009 e, após este mochilão, retornei uma vez mais. É uma bela e agradável cidade. Peguei o trem noturno e me mandei.
Cheguei de manhã cedo e dei uma volta pela cidade com minha anfitriã, Aninha Schönefrau. Dormimos cedo e, na manhã seguinte, como eu já conhecia bem a cidade, decidimos ir até Maastricht, na Holanda, que ficava a 2h de Colônia. A única coisa que eu sabia sobre o local era que ali tinha sido assinado o Tratado de Maastricht, que eu nem me lembrava o que era. Só hoje, escrevendo minhas memórias sobre esta viagem louca, consultei a wikipédia que me disse que tal tratado foi o criador da União Européia. Muito bem, sussurrei, e continuei a escrever.
Bonita, pequena e cara cidade. Vê-se visivelmente que se trata de um local que explora o turismo de alta renda, pois até um sanduichinho meia-boca custa quase 10 euros. Mas as igrejas, torres, os muros e o rio Maas compensam, o visual é decididamente interessante e, podendo ser feito em uma tarde, vale a pena. Subi novamente em outra torre, de onde pude admirar uma bela visão da cidade inteira que registrei em fotos, mas que de nada adiantou. O legal é que quando estávamos lá em cima, começaram a tocar os sinos das várias torres das cidades, o que imagino seja uma das grandes atrações turísticas da cidade.
Em seguida fui a uma loja de antiguidades que parecia interessante, com muito mapas antigos expostos. Como grande ex-futuro-geógrafo, gosto dessa coisas de mapas, e ali perguntei o preço. Algo em torno de 5 mil euros. Uma mixaria, que resolvi deixar para outro dia, pois ia gastar essa quantia com o combustível no meu helicóptero.
Depois de caminhar bastante pela cidade, voltamos para Colônia, pois dali eu não só pegaria o trem para Berlim, como realmente o peguei. No trem - muito confortável se comparado com os trens italianos, mas bem sem-vergonha se a comparação for com os trens suecos ou dinamarqueses (ah, as suecas e as dinamarquesas...) - puxei papo com um cara que só reclamava da Alemanha, e dizia como era uma merda os trens. Chorava o cidadão e, ainda por cima, queria me converter para a religião dele, que eu nunca tinha ouvido falar e cujo nome não me lembro agora. Só sei que eles não podiam beber álcool, e isso foi determinante. Aliás, me perguntei como na Alemanha, considerada por muitos a terra da cerveja (do inglês antigo Ale=cerveja e do Grego pré-socrático manha=terra); como ali, no país que criou a Oktoberfest, que se orgulha de usar bermuda com suspensórios e um chapéu com uma pena do lado pra beber cerveja - como, mein Gott! - como permitiram, neste país, que existisse uma religião que proíbe a cerveja? Até que, enfim, o trem foi esvaziando e, com a desculpa de dormir um pouco, sentei em outra poltrona e escapei das lamentações do Fritz.
Acordei pouco antes de Berlim, pouco antes da meia-noite. Cansado. Com fome. Com um endereço na mão. Endereço este que eu não fazia a menor idéia de como chegar. Sabia - e somente isso sabia - que era o local onde me hospedariam na capital alemã. Chegar lá foi difícil. Muito difícil.
Mas cheguei. Conversei um pouco com minha anfitriã, desta vez uma jornalista alemã que trabalhava no jornal Der Tagesspiegel. Ela me hospedaria em sua casa por três noites. E não só o faria, como realmente o fez. O bairro de Neukölln é relativamente perto do centro. Mas relativamente perto, para Berlim, é longe bagarai.
Como vocês verão no próximo post...
Segundo o Houaiss, o substantivo masculino interlúdio possui vários significados, entre eles: mús composição instrumental com a função de separar partes musicais, litúrgicas ou cênicas; intervalo entre duas cenas; entreato ('representação entre dois atos'); lapso de tempo que interrompe provisoriamente alguma coisa. Pensando nisso - não somente nisso, pois eu ainda pensava muito na balada de ontem e, além disso, em como elaborar um texto sobre a Eternidade, confrontando minha teoria com as de Borges, Nietzsche e Santo Agostinho - enfim, digamos que eu estivesse pensando somente nisso, no interlúdio, resolvi resumir dois dias da viagem em um só post, como se separasse a minha viagem em Antes de Maastricht e Depois de Maastricht (doravante AM e DM). Pois nessa viagem, Maastricht foi o divisor de águas. Antes, a primeira etapa, o deslumbre, a inquietação, o êxtase do novo. Depois, a segunda etapa, o deslumbre, a inquietação, o êxtase do novo. De novo. Mas porque criar este hipotético marco divisório em Maastricht e não em Colônia? Isso, meus caros fantasmas, deixo para vocês especularem uma resposta.
Mas, como eu ia dizendo no último post:
Bairro de Christianshavn |
Saí do museu Carlsberg e fui diretamente dormir. Acordei pelas 19h e, bem acompanhado por uma cicerone loira dinamarquesa, fui para o famoso reduto hippie alternativo de Copenhague, o famigerado Christiania. Nunca ouviu falar? Mesmo? Nem eu, pelo menos até aquele dia. Localizado dentro do bairro de Christianshavn, é um local que foi invadido umas décadas atrás e agora se auto-proclama uma comunidade alternativa independente. Quando entrei lá, Raul Seixas me disse: "viva a sociedade alternativa". Apesar de ser uma atração turística, as fotografias são proibidas, então mesmo eu perdendo minha máquina fotográfica, essas fotos eu não perdi, pelo simples fato de que não as fiz.
A loira hippie |
Foto da primeira vez que estive em Colônia, AM, com o rio Reno ao fundo |
Cheguei de manhã cedo e dei uma volta pela cidade com minha anfitriã, Aninha Schönefrau. Dormimos cedo e, na manhã seguinte, como eu já conhecia bem a cidade, decidimos ir até Maastricht, na Holanda, que ficava a 2h de Colônia. A única coisa que eu sabia sobre o local era que ali tinha sido assinado o Tratado de Maastricht, que eu nem me lembrava o que era. Só hoje, escrevendo minhas memórias sobre esta viagem louca, consultei a wikipédia que me disse que tal tratado foi o criador da União Européia. Muito bem, sussurrei, e continuei a escrever.
Maastricht |
Bonita, pequena e cara cidade. Vê-se visivelmente que se trata de um local que explora o turismo de alta renda, pois até um sanduichinho meia-boca custa quase 10 euros. Mas as igrejas, torres, os muros e o rio Maas compensam, o visual é decididamente interessante e, podendo ser feito em uma tarde, vale a pena. Subi novamente em outra torre, de onde pude admirar uma bela visão da cidade inteira que registrei em fotos, mas que de nada adiantou. O legal é que quando estávamos lá em cima, começaram a tocar os sinos das várias torres das cidades, o que imagino seja uma das grandes atrações turísticas da cidade.
Em seguida fui a uma loja de antiguidades que parecia interessante, com muito mapas antigos expostos. Como grande ex-futuro-geógrafo, gosto dessa coisas de mapas, e ali perguntei o preço. Algo em torno de 5 mil euros. Uma mixaria, que resolvi deixar para outro dia, pois ia gastar essa quantia com o combustível no meu helicóptero.
Maastricht em 1652 |
Depois de caminhar bastante pela cidade, voltamos para Colônia, pois dali eu não só pegaria o trem para Berlim, como realmente o peguei. No trem - muito confortável se comparado com os trens italianos, mas bem sem-vergonha se a comparação for com os trens suecos ou dinamarqueses (ah, as suecas e as dinamarquesas...) - puxei papo com um cara que só reclamava da Alemanha, e dizia como era uma merda os trens. Chorava o cidadão e, ainda por cima, queria me converter para a religião dele, que eu nunca tinha ouvido falar e cujo nome não me lembro agora. Só sei que eles não podiam beber álcool, e isso foi determinante. Aliás, me perguntei como na Alemanha, considerada por muitos a terra da cerveja (do inglês antigo Ale=cerveja e do Grego pré-socrático manha=terra); como ali, no país que criou a Oktoberfest, que se orgulha de usar bermuda com suspensórios e um chapéu com uma pena do lado pra beber cerveja - como, mein Gott! - como permitiram, neste país, que existisse uma religião que proíbe a cerveja? Até que, enfim, o trem foi esvaziando e, com a desculpa de dormir um pouco, sentei em outra poltrona e escapei das lamentações do Fritz.
Acordei pouco antes de Berlim, pouco antes da meia-noite. Cansado. Com fome. Com um endereço na mão. Endereço este que eu não fazia a menor idéia de como chegar. Sabia - e somente isso sabia - que era o local onde me hospedariam na capital alemã. Chegar lá foi difícil. Muito difícil.
DM |
Mas cheguei. Conversei um pouco com minha anfitriã, desta vez uma jornalista alemã que trabalhava no jornal Der Tagesspiegel. Ela me hospedaria em sua casa por três noites. E não só o faria, como realmente o fez. O bairro de Neukölln é relativamente perto do centro. Mas relativamente perto, para Berlim, é longe bagarai.
Como vocês verão no próximo post...
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sexta-feira, 4 de março de 2011
Caim
Todos sabemos que Caim matou Abel. Até quem nunca leu a Bíblia o sabe. Até ateus, como o recém-falecido José Saramago o sabiam. Tanto ele sabia que escreveu um livro justamente chamado Caim. Terminei de ler este livro hoje, que peguei emprestado do meu camarada Guilherme.
É um livro divertido e inteligente, como são os livros saramaguianos (ainda não sei se já criaram o adjetivo derivado do prêmio nobel português, creio que sim, senão faço eu agora). A linguagem é irônica e mordaz. Mas alguma coisa ali não me convenceu. Obviamente, sabendo que Saramago era ateu convicto, as trocas de acusações entre Caim e Deus parecem cair no vazio. Um tipo de proselitismo religioso ao contrário. Saramago usou o livro como propaganda ateísta, um modo de convencer os indecisos de que a religião "não faish o mnor sentido", como já diria o capitão bacalhau.
Apesar do prêmio nobel usar toda sua astúcia, construindo como sempre uma história admirável do ponto de vista estilístico - no que se refere a diálogos, enredos, reviravoltas -, o idealismo do autor está escancarado, e a essência do texto, a crítica à religião, acaba sendo infantil se analisada à distância. Infantil porque julgar a religião por meio das histórias repletas de metáforas e sentidos figurados do velho testamento, e condenar essa religião a partir disto, é muito superficial, chega a ser indigno à estatura literária do Zé.
Não que eu esteja também defendendo a religião, longe disso. Apesar de não ser ateu, não creio em religiões (existe um nome pra isso?), mas as respeito. Criticar uma religião, seja ela qual for, é uma coisa muito complexa. Ainda mais se pensarmos que nascemos já inseridos em uma cultura cristã, e não sabemos nem nunca saberemos o que é viver fora disso, por mais que estudemos outras culturas. É como a língua-materna de uma pessoa. Mesmo se eu fosse PHD em, digamos Javanês, e falasse, escrevesse e pensasse perfeitamente nesta língua, a minha língua-materna é o português, e tudo que analiso linguisticamente é, foi ou será comparado com a minha língua, pois é o meu padrão, pois a minha língua sou eu. Da mesma forma, a minha religião-materna ou cultura-materna - chamá-la-ei assim - é o cristianismo, pois nasci e cresci inserido nesse contexto. E mesmo se eu for convertido ao xintoísmo japonês, tudo o que eu aprender será, mesmo que inconscientemente, um eterno confronto (não no sentido de luta, mas de comparação) entre a nova religião e a antiga.
É possível que eu venha a morder a língua, uma vez que outra obra sua com temas religiosos - O evangelho segundo Jesus Cristo, de 1991 - eu ainda não li. Saltando a ordem cronólogica, vim parar em Caim, de 2009. Talvez uma sirva para entender a outra. Mas, isoladamente, é esta a minha impressão.
Em tempo: Saramago é um dos meus escritores favoritos. Gostei muito dos romances O homem duplicado, Ensaio sobre a cegueira, As intermitências da morte, A jangada de pedra, entre outros, e achei extraordinário o livro de contos Objecto Quase. O primeiro livro marrom meno do Zézinho que li foi Ensaio sobre a lucidez, que me pareceu um pouco óbvio e sem aquele ritmo frenético característico. Mas Caim não é mal escrito, longe disso (aliás, as cenas iniciais de Adão e Eva no paraíso são hilárias, e o Deus contraditório de Saramago é um cômico nato), e o recomendo como uma bela leitura de entretenimento e reflexão. Só o contexto por detrás da bagaça que me incomodou um pouco.
Talvez eu esteja ficando velho. E chato.
Bora pro carnaval!
É um livro divertido e inteligente, como são os livros saramaguianos (ainda não sei se já criaram o adjetivo derivado do prêmio nobel português, creio que sim, senão faço eu agora). A linguagem é irônica e mordaz. Mas alguma coisa ali não me convenceu. Obviamente, sabendo que Saramago era ateu convicto, as trocas de acusações entre Caim e Deus parecem cair no vazio. Um tipo de proselitismo religioso ao contrário. Saramago usou o livro como propaganda ateísta, um modo de convencer os indecisos de que a religião "não faish o mnor sentido", como já diria o capitão bacalhau.
Apesar do prêmio nobel usar toda sua astúcia, construindo como sempre uma história admirável do ponto de vista estilístico - no que se refere a diálogos, enredos, reviravoltas -, o idealismo do autor está escancarado, e a essência do texto, a crítica à religião, acaba sendo infantil se analisada à distância. Infantil porque julgar a religião por meio das histórias repletas de metáforas e sentidos figurados do velho testamento, e condenar essa religião a partir disto, é muito superficial, chega a ser indigno à estatura literária do Zé.
Não que eu esteja também defendendo a religião, longe disso. Apesar de não ser ateu, não creio em religiões (existe um nome pra isso?), mas as respeito. Criticar uma religião, seja ela qual for, é uma coisa muito complexa. Ainda mais se pensarmos que nascemos já inseridos em uma cultura cristã, e não sabemos nem nunca saberemos o que é viver fora disso, por mais que estudemos outras culturas. É como a língua-materna de uma pessoa. Mesmo se eu fosse PHD em, digamos Javanês, e falasse, escrevesse e pensasse perfeitamente nesta língua, a minha língua-materna é o português, e tudo que analiso linguisticamente é, foi ou será comparado com a minha língua, pois é o meu padrão, pois a minha língua sou eu. Da mesma forma, a minha religião-materna ou cultura-materna - chamá-la-ei assim - é o cristianismo, pois nasci e cresci inserido nesse contexto. E mesmo se eu for convertido ao xintoísmo japonês, tudo o que eu aprender será, mesmo que inconscientemente, um eterno confronto (não no sentido de luta, mas de comparação) entre a nova religião e a antiga.
É possível que eu venha a morder a língua, uma vez que outra obra sua com temas religiosos - O evangelho segundo Jesus Cristo, de 1991 - eu ainda não li. Saltando a ordem cronólogica, vim parar em Caim, de 2009. Talvez uma sirva para entender a outra. Mas, isoladamente, é esta a minha impressão.
Em tempo: Saramago é um dos meus escritores favoritos. Gostei muito dos romances O homem duplicado, Ensaio sobre a cegueira, As intermitências da morte, A jangada de pedra, entre outros, e achei extraordinário o livro de contos Objecto Quase. O primeiro livro marrom meno do Zézinho que li foi Ensaio sobre a lucidez, que me pareceu um pouco óbvio e sem aquele ritmo frenético característico. Mas Caim não é mal escrito, longe disso (aliás, as cenas iniciais de Adão e Eva no paraíso são hilárias, e o Deus contraditório de Saramago é um cômico nato), e o recomendo como uma bela leitura de entretenimento e reflexão. Só o contexto por detrás da bagaça que me incomodou um pouco.
Talvez eu esteja ficando velho. E chato.
Bora pro carnaval!
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