Mostrando postagens com marcador Sujata Bhatt. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sujata Bhatt. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Que merda!

Enquanto não me vem nada pra escrever, coloco aqui mais um exercício de tradução do mestrado. A autora é Sujata Bhatt, nasceu na Índia em 1956, cresceu nos EUA e mora na Alemanha. Eis aqui minha tradução:



Feminilidade

Eu pensei muito na garota
que recolhia esterco de vaca em um grande cesto redondo
ao longo da rua principal que passa em frente à nossa casa
e ao templo Radhavallabh em Maninagar.
Eu pensei muito na maneira como ela
movia as mãos e os quadris
e o cheiro de esterco de vaca e de estrada de chão e de lírios úmidos,
o cheiro de bafo de macaco e roupas recém-lavadas
e o pó das asas dos corvos que cheiram diversamente -
e de novo o cheiro de esterco de vaca enquanto a garota o põe
dentro, todos estes cheiros me cercavam separada
e simultaneamente - eu pensei muito
mas estava pouco propensa a usá-la como uma metáfora,
como uma boa imagem - mas sobretudo pouco propensa
a esquecê-la ou explicar a alguém a grandeza
e a força brilhando através do seu zigoma
cada vez que ela encontrava um particularmente promissor
monte de esterco -


A primeira vez que li achei estranho pra caramba, uma poesia falando de esterco de vaca e bafo de macaco. Mas o que à primeira vista é insólito, no final se explica. Pois a beleza não tá no esterco, tá no brilho dos olhos da garota. A seu ver o esterco é belo, porque a ajuda a comer (não a comer esterco, óbvio, mas a ganhar dinheiro), e o olho dela brilha quando o vê. A magia da bagaça está nesse átimo que transforma o encontro com o esterco em algo belo.

Óbvio que devemos contextualizar o negócio. Na Índia, a vaca é um animal sagrado, as vacas andam livremente, matar uma vaca é uma blasfêmia (ou algo do gênero, um pecado, sei lá, já esqueci as minhas leituras de história das religiões), então tem literalmente merda pra tudo que é lado. E mais do que criticar uma garota ou uma sociedade por um trabalho subumano (isso para nós, ocidentais), a autora vê a beleza feminina sublime nos gestos, movimentos e no olhar da garota enquanto coleta o cocô sagrado da vaca (cocô esse que, enfim, é secundário, mas chama a atenção exatamente pela singularidade da situação), e tudo se transforma em poesia.

Pelo menos é com essa argumentação que to tentando me convencer...mas o final do poema é legal, justamente por ser insólito. "Um promissor monte de esterco"... magnífico!