Meus caros fantasmas já se foram todos embora. Sobrou-me eu. Só, tento relembrar-me de dias já passados, longínquos, que nem ao menos sei se realmente aconteceram, ou se tudo isso foi mais um sonho. Mais um, entre tantos, entre muitos. Entrementes, sigo o relato, devidamente esquartejado em infinitas partes. Se tudo sair como planejado, antes de completar um ano da minha viagem, isto é, em agosto de 2011, este relato estará completo.
Mas, como eu ia dizendo no último post...
Foi aí que descobri o lado escuro da cidade. O lado escuro, do escuro do mundo. Na rua, mal iluminada, viam-se sombras. Depois dos primeiros passos já pensei que seria assaltado. Mas lembrei-me que estava na Europa e, mais ainda, na Escandinávia. A lascívia amalgamada à ignávia me fizeram sentir na Bolívia, perdido nas florestas.
A Halmtorvet, ao contrário da Vesterbrogade, não era tão frequentada à noite. Ou melhor, era, mas não tão bem. Nas esquinas grupos de pessoas em frente a portas semi-abertas. Nas outras esquinas, mulheres decadentes se ofereciam a clientes idem. Escondidos, os gigolôs observavam. Pocilgas ofereciam strip-teases.
Chega-se ali com a ilusão da perfeição nórdica, que até certo ponto é verdade, mas o ser é humano, e a decadência é inevitável. Decadence avec elegance. Apesar disso, estava muito mais tranquilo do que estaria em uma rua deserta no Brasil. Ali, parece, não mexem com quem tá quieto. Segui meu caminho em frente. Lembrei-me da minha viagem a Barcelona, dois anos antes, onde aconteceram cenas semelhantes.
Quando dei por mim, estava no albergue, dormi profundamente. Acordei tarde, uma chuva interminável o que trouxe um leve frio. A temperatura que peguei na Suécia era em torno de 30 graus, e seria o mesmo na Dinamarca, não fosse pela precipitação. Por causa disso, me vi ao redor dos 15, sem ter trazido muita roupa. Pensei, merda, o que vou fazer num dia de chuva?
Elementar, meu caro fantasma! Aproveite e vá para um museu, e finja ser uma pessoa culta. Boa ideia! (Já estou me acostumando à nova ortografia...escrever sem acento é muito fácil, deveríamos abolí-los todos.)
Fui, então, ao museu. O Museu da Cerveja Carlsberg, a quarta maior cervejaria do mundo. Chegar lá foi difícil. Precisei pegar dois trens e ainda caminhar um bom tempo debaixo do meu guarda-chuva meia boca. Pra piorar, o mapa não dizia exatamente onde era a entrada do museu, e a fábrica da Carlsberg ocupa um espaço imenso. Acho que entrei pela parte dos funcionários. Pelo menos foi isso que consegui identificar com meu dinamarquês cambaleante. Quando finalmente achei a entrada, minhas calças estavam molhadas até os joelhos. Mas como dizem os italianos "Non ti mettere a giocare se non vuoi pericolare". Entrei.
Aí voltamos ao Preâmbulo das minhas aventuras. Depois das cervejas belgas, chegou a vez do Museu da Cerveja. Eu nunca havia experimentado a Carlsberg. Mas até eu provar perdi um bom tempo. Os prédios do local são bonitos, e detalhes peculiares como o Elephant Gate merecem uma paradinha.
Entrando no museu, vê-se a maior coleção de cervejas fechadas do mundo inteiro. São milhares de exemplares expostos aos visitantes, que boquiabertos pensam ao mesmo tempo "que bonito" e "que desperdício". Em seguida, um belo passeio contando a história da cerveja, provavelmente uma das primeira bebidas alcoólicas criadas pelo homem. (Sabe-se que o povo sumério, que viveu 3 mil anos a.C adorava a deusa da cerveja Nin-Kasi). Depois, veio a história da própria cervejaria. Fundada em 1847 por J.C. Carlsberg, vídeos contavam todo o processo de produção da cerveja, a seleção dos grãos, as temperaturas ideais, os ingredientes, as fases de mistura, armazenamento, engarrafamento e distribuição e foi a partir daí, somando-se à minha experiência belga, que tive cada vez mais convicção de que a cerveja é uma arte, uma obra-prima. E só poucos conseguem apreciá-la devidamente. Devemos bebê-la com todo respeito e admiração que ela merece.
No final do museu tive a oportunidade de saborear 3 das várias cervejas produzidas pela Carlsberg, todas muito boas. Saí satisfeito e dizendo em voz alta "In vino veritas" para as pessoas com quem cruzei na rua. A chuva tinha passado, eu estava feliz, mas não percebi que a citação em latim nada tinha a ver com a cerveja.
Continua no próximo post.
sábado, 19 de fevereiro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Se eu já fiquei contente em visitar a Mini-cervejaria da Eisenbahn que diraá se eu tiver a mesma oportunidade que você.
ResponderExcluirPelo menos a prostituição por aí parece ser um negócio levado a sério.
Um abraço.
Guardadas as devidas proporções, uma vez visitei a (antiga)cervejaria Brahma, ali na Cristóvão Colombo (agora é um shopping).
ResponderExcluirDepois de passear por toda a fábrica e tomar conhecimento do processo de fabricação da cerveja, fomos convidados a passar ao salão para degustação do produto.
Foi um dos maiores porres da minha juventude!
Ah! A casa do estudante em que eu morava, ali na Fernando Machado, ficava entre dois puteiros (que minha mãe não saiba disso!).
Porra alemão!
O que fazer num dia de chuva? Ainda bem que você não decidiu ir a um shopping center, rsrs.
ResponderExcluirQuanto ao Museu da Cerveja, gostei da foto do Elephant Gate. Creio que eu ia ficar um bom tempo olhando ao vivo antes de ver e experimentar as cervejas.
Um abraço e aguardo o próximo relato da sua viagem!
Oi "Zara" (permita-me a íntima intimidade)!
ResponderExcluirPor um lado, dá cá uma invejinha maliciosa de suas andanças. Quisera eu, mas coragem me faltou (e falta).
Pelo outro lado, escrever sem acento é bom mesmo, mais fácil, mas não acostumo com ideia sem acento (vá lá, sou uma contradição ambulante!).
Quanto ao "Elephant Gate" que a Lu Vieira se apaixonou e pelo qual perderia algum tempo admirando... Meu caro, o meu gosto pela cerveja não me permitiria esse desgosto, mesmo com todo o amor à arte e a criatividade humana (rsrs...)
ABBÇão carinhoso e boa semana.
MarGGa
Barbaridade, confesso que eu não pensaria em ir no museu da Cerveja, ou pensaria, de repente se tivesse referências... sei lah...
ResponderExcluirvisita interessante... hehe